Atendimento Jurídico Itinerante à Comunidades Hipossuficientes: A Busca pelo Acesso à Justiça

 

Servicios Legales Itinerantes para Comunidades Desfavorecidas: La Búsqueda del Acceso a la Justicia

 

Itinerant Legal Services for Underprivileged Communities: The Quest for Access to Justice

 

Pablo Martins Bernardi Coelho

Universidade do Estado de Minas Gerais

pablo.coelho@uemg.br  

orcid.org/0000-0002-7374-2051

 

Sección: Políticas públicas

Recepción: 10/02/2023                  Aceptación final:16/06/2023

 

Para citación de este artículo: Bernardi Coelho, P. M. (2023). Atendimento Jurídico Itinerante à Comunidades Hipossuficientes: A Busca pelo Acesso à Justiça. Revista Masquedós, 8(10), 1-12. doi: 10.58313/masquedos.2023.v8.n10.230

 

 

Resumo

O presente artigo abordará um projeto de extensão de notória relevância, o qual é demarcado pela forma itinerária de promover o acesso à justiça para aqueles que mais necessitam e que, por diversas vezes, não sabem dos seus direitos. No hodierno, existem lacunas que o presente projeto visa suprir, fornecendo atendimento jurídico de qualidade, itinerante para os moradores dos bairros Princesa Isabel e Progresso, da cidade de Frutal/MG. Dessa forma, tal projeto tem como objetivo central proporcionar assistência jurídica aos mais necessitados, visto que não dispõem de meios suficientes para a solução dos seus conflitos. Dessa forma, o trabalho será pautado fundamentalmente na realização dos atendimentos à população, o que implicará na ampliação do acesso à justiça nas comunidades e levará à população destas as informações das quais não dispõem para a efetivação dos seus direitos e resolução dos seus problemas, sempre no intuito de promover a cidadania, a dignidade, o bem-estar e a liberdade da população moradora das comunidades que serão alcançadas por esta iniciativa. Em sendo assim, o projeto se justifica, sobretudo, pela crença de que o Direito e o acesso à justiça pelos cidadãos mais carentes são instrumentos muito eficazes na modificação da realidade social e na promoção do bem-estar dos indivíduos, já que possibilitam a eliminação da angústia derivada da sensação de injustiça e desamparo. Neste entendimento, pretende-se ampliar, entre outros, o desenvolvimento integrado do ensino-pesquisa-extensão, a fim de que o aluno possa vivenciar um processo de ensino-aprendizagem vinculado aos processos sociais.

Palavras chaves: acesso à justiça; população hipossuficiente; atendimento jurídico; atividade extensionista.

 

Resumen

Este artículo abordará un proyecto de extensión de notoria relevancia, que viene marcado por la forma itinerante de promover el acceso a la justicia de quienes más lo necesitan y que, en varias ocasiones, desconocen sus derechos. Hoy en día, existen vacíos que este proyecto pretende llenar, brindando asistencia jurídica de calidad, itinerante para los habitantes de los barrios Princesa Isabel y Progreso, en la ciudad de Frutal/MG. De esta forma, este proyecto tiene como objetivo principal brindar asistencia jurídica a los más necesitados, ya que no cuentan con los medios suficientes para resolver sus conflictos. De esta forma, el trabajo se basará fundamentalmente en brindar asistencia a la población, lo que implicará ampliar el acceso a la justicia en las comunidades y brindar a su población la información que no tienen disponible para la realización de sus derechos y resolución de sus problemas, siempre con el fin de promover la ciudadanía, la dignidad, el bienestar y la libertad de la población que vive en las comunidades a las que llegará esta iniciativa. De este modo, el proyecto se justifica, sobre todo, por la convicción de que el Derecho y el acceso a la justicia de los ciudadanos más necesitados son instrumentos muy eficaces para modificar la realidad social y promover el bienestar de las personas, ya que permiten eliminar la angustia derivada del sentimiento de injusticia e impotencia. En ese entendimiento, se pretende ampliar, entre otros, el desarrollo integrado de la docencia-investigación-extensión, para que el estudiante pueda experimentar un proceso de enseñanza-aprendizaje vinculado a los procesos sociales.

Palabras clave: acceso a la justicia; población desfavorecida; servicio legal; actividad de extensión.

 

Abstract

This article will address an extension project of notorious relevance, which is marked by the itinerary of promoting access to justice for those who need it most and who, on several occasions, are unaware of their rights. Nowadays, there are gaps that this project aims to fill, providing quality legal assistance, itinerant for residents of Princesa Isabel and Progresso neighborhoods, in the city of Frutal/MG. In this way, this project has as its main objective to provide legal assistance to the most vulnerable, since they do not have sufficient means to solve their conflicts. In this way, the work will be based fundamentally on providing assistance to the population, which will imply expanding access to justice in the communities and will provide their population with information they do not have available for the realization of their rights and resolution of their problems, always in order to promote citizenship, dignity, well-being and freedom of the population living in the communities reached by this initiative. In this way, the project is justified, above all, by the belief that the Law and access to justice by most citizens is a very effective instrument in modifying social reality and promoting the well-being of individuals, since they make it possible to eliminate the anguish derived from the feeling of injustice and helplessness. In this understanding, it is intended to expand, among others, the integrated development of teaching-research-extension, so that the student can experience a teaching-learning process linked to social processes.

Keywords: access to justice; underprivileged population; legal service; extension activity.

 

 

Introdução

A população em situação de hipossuficiência acaba, por vez ou outra, tendo os direitos soterrados pela falta de acessibilidade e informação. Tal condição faz com que, em sede histórica, as atenções sejam voltadas para tal público, com o intuito de garantir e promover a acessibilidade necessária para que os direitos e deveres enquanto cidadãos sejam resguardados.

Vislumbrando a cronologia da temática, o movimento que deu início à discussão de acesso à justiça não é de hoje, desde a década de 70 com o surgimento do movimento “Florence project”, dos autores Mauro Cappelletti e Bryant Garth, os quais identificaram “no movimento de acesso à justiça, três ondas e barreiras que deveriam ser superadas para que os indivíduos, sobretudo os mais carentes, tivessem, de fato, seus direitos garantidos” (Sadek, 2014, p.58). Deste modo, é possível destacar que a preocupação, desde o início destes estudos, foi levar a justiça para aqueles que talvez mais precisem, mas mais enfrentam dificuldades na consolidação de seus direitos.

Neste ínterim, o projeto de extensão[1] em vigência preconiza o atendimento e orientação jurídica para as populações carentes de dois bairros da cidade de Frutal, sendo eles Progresso e Princesa Isabel, em intersecção com outro projeto da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG/unidade Frutal, o Núcleo de Práticas Jurídicas, o qual visa auxiliar na promoção da assistência judicial para aqueles que não possuem acesso aos meios necessários para a resolução de seus conflitos, ainda mais motivado por um sistema judiciário referto de demandas, bem como carregado de morosidade.

No que tange a praticidade, o Direito brasileiro hoje conta com diversas saídas rápidas para as lides, sendo elas os meios alternativos de resolução de conflito, que frequentemente chegam a impedir a judicialização formal de certas lides.

Ademais, quanto aos meios de suprir tais problemáticas, o artigo 134 da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), garante a Defensoria Pública como órgão responsável pela função jurisdicional do Estado, bem como orientação jurídica e defesa, em todos os níveis para aqueles que necessitarem. Contudo, sabe-se que não há linearidade no texto codificado do mencionado artigo, vez que por mais que o trabalho prestado pela instituição seja de inenarrável vantagem para o sistema judiciário como um todo, a parcela populacional consumidora dessa prestação de serviço é inesgotável.

Ainda, neste mesmo norte, verifica-se que em janeiro do ano de 2021, o número total de defensores públicos em todo o estado de Minas Gerais foi de 656 (12 Estados..., 2021). Neste contexto, com a grande demanda de cidadãos que necessitam dos serviços da Defensoria Pública, existe dificuldade em suprir os pleitos de forma abrangente, momento em que a resolução de conflitos e intermediação podem resolver as lides de forma muito mais prática e célere.

Dessa forma, o trabalho será pautado fundamentalmente na realização dos atendimentos à população, o que implicará na ampliação do acesso à justiça nas comunidades e levará à população destas as informações das quais não dispõem para a efetivação dos seus direitos e resolução dos seus problemas, sempre no intuito de promover a cidadania, a dignidade, o bem-estar e a liberdade da população moradora das comunidades que serão alcançadas por esta iniciativa.

Em sendo assim, o projeto se justifica, sobretudo, pela crença de que o Direito e o acesso à justiça pelos cidadãos mais carentes são instrumentos muito eficazes na modificação da realidade social e na promoção do bem-estar dos indivíduos, já que possibilitam a eliminação da angústia derivada da sensação de injustiça e desamparo. A inclusão social e a ampliação do acesso à justiça são necessidades sociais que precisam ser enfrentadas com urgência e é importante destacar que esse enfrentamento não é apenas papel do Estado: os estudantes e a Universidade, especialmente a pública, devem assumir a sua responsabilidade social.

Do ponto de vista prático, as pessoas atendidas nos locais de atendimento pelos acadêmicos supervisionados pelo professor orientador são encaminhadas para o Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG/Frutal, onde procede a continuidade do atendimento. No NPJ, a continuidade do atendimento inicia-se com a tentativa de alcançar a composição entre as partes envolvidas e, não sendo possível, procede-se ao ajuizamento e acompanhamento das ações judiciais que eventualmente forem necessárias. Na fase processual, os acadêmicos acompanham os processos, juntamente com os professores orientadores, e prestam assistência jurídica-processual até o final da demanda.

Um dos grandes diferenciais do projeto está no fato de quebrarmos a postura tradicional de "esperar" que os supostos interessados na defesa de seus direitos "procurem" os escritórios advocatícios ou de Defensoria, com a adoção de um comportamento mais eficiente, a ida ao local de moradia das pessoas, agindo, preferencialmente, na prevenção dos conflitos. Neste entendimento, pretende-se ampliar, entre outros, o desenvolvimento integrado do ensino-pesquisa-extensão, a fim de que o aluno possa vivenciar um processo de ensino-aprendizagem vinculado aos processos sociais, participando da transformação da realidade socioeconômica e cultural do país.

Este projeto implica na possibilidade de se realizar convênios, sempre e quando possível, com os órgãos públicos, associações de bairros, associações de profissionais em geral, Exército, Polícia Civil e Militar e Tribunais a fim de que possa realizar com maior eficácia as atividades comunitárias de formação da cidadania, o ensino e a prática dos métodos alternativos de resolução de conflitos. Nesse sentido, previamente já foi estabelecido parcerias firmadas com o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, especificamente, pela 2.ª Vara Cível, com apoio do Juiz de direito Dr. André Ricardo Botasso, que propôs apoio técnico da equipe do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSC/Frutal para promover os atendimentos com métodos autocompositivos na comunidade. Nesta esteira, temos parceria consolidada com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com apoio da Promotora de Justiça Dra. Daniela Campos de Abreu Serra, ativista da justiça restaurativa na Comarca e que compõe o corpo técnico do CEJUSC/Frutal.

No âmbito das áreas de atuação do direito, o projeto visa atender, especialmente, lides consumeristas – relação de hipossuficiência do consumidor frente as grandes empresas, além das questões cíveis, especialmente direito de família e sucessões.

 

 

Justificativa do caráter extensionista

A Universidade Pública é norteada pelo “tripé” composto pelo ensino, pesquisa e extensão. Assim, tem-se que a extensão foi o último instituto a ser desenvolvido, tendo em vista sua complexidade e contato direto com a população. Desse modo, Silva apud Carbonari e Pereira (2015, p.25) a definem:

Para umas é “função”, semelhante o ensino e a pesquisa, que realiza compromissos sociais da universidade; para outras, é comunicação, em que a extensão divulga e complementa as funções de ensino e pesquisa; e, para outras, ainda, é princípio, uma vez que todas as outras atividades passam a ser definidas a partir da extensão.

Nesse contexto, o presente projeto tem como objetivo contemplar a ideia de transformar o ensino e a pesquisa na sua modalidade prática, ou seja, na sua versão extensionista, a fim de efetivar os direitos fundamentais que são de garantia dos cidadãos, resguardando não só a dignidade da pessoa humana, como atuando em uma área de extrema relevância, que são as lides que ocorrem na vida de pessoas “comuns”.

Ao criar espaço para a realização de extensão, a universidade pública não somente ajuda a população de forma assistencialista, como também, contribui para a formação dos próprios profissionais que está formando, vez que a vivência em sociedade e a aplicação daquilo que é aprendido dentro de sala de aula, só fará jus ao bom profissional a partir do momento em que este aplicar os conhecimentos teóricos na vida de pessoas que precisam.

Além disso, a extensão possui um caráter devolutivo, isto é, almeja devolver para a sociedade, na forma daquilo que for mais necessário no momento, todos os investimentos que são dispensados às Universidades Públicas, os quais, apesar de não serem o suficiente, tendo em vista que se trata de educação, ainda assim, são altas quantias investidas.

A vivência deste projeto de extensão na formação de um profissional, sem dúvidas, abarca diversos crescimentos, não só na esfera profissional, como no pessoal também. O projeto atinge, com efetividade, os parâmetros da extensão, vez que além de ser itinerário, ou seja, ir até as necessidades do público alvo, a cidade de Frutal carece de projetos nesse sentido.

Como fator agravante das necessidades, os bairros abrangidos pelo projeto ficam distantes do Centro da Comarca, local no qual fica concentrado não só o Fórum, como a Defensoria e o Ministério Público, sendo, muitas vezes, de difícil acesso para aqueles que necessitam se deslocar até tais locais.

Desta forma, o caráter extensionista do presente projeto se destaca pela possibilidade de levar até os cidadãos meios de efetivar direitos esquecidos ou desconhecidos de forma a priorizar aqueles que, se não fosse pela efetivação do projeto, jamais teriam acesso à justiça.

 

 

Referencial teórico

O projeto de extensão “Atendimento jurídico itinerante a comunidades hipossuficientes: a busca pelo acesso à justiça”, é desenvolvido desde o ano de 2020, com algumas interrupções em decorrência do cenário epidemiológico em que o mundo todo foi envolto. A importância de um projeto como este, reside na problemática de que a parcela hipossuficiente acaba saindo prejudicada quando do acesso à justiça.

Acontece que o sistema judiciário passa por uma superlotação processual, em decorrência do elevado número de lides o que, além de tudo, transforma os procedimentos em algo mais moroso do que deveria ser, respaldando tais informações, o site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais apresenta um relatório anual, constavam 6.063.674 processos ativos, em 31 de dezembro de 2015, em toda a justiça comum, o que acaba sendo uma quantidade extremamente elevada de processos no estado de Minas Gerais.

Adentrado ao contexto atual, passa-se para uma análise pretérita, o momento em que a temática em tela fora discutida pela primeira vez, como supracitado, no instante em que Cappelletti e Garth (1988) iniciaram seus estudos sobre a abordagem do judiciário para aqueles menos abastados de conhecimentos técnicos jurídicos e financeiramente, com a subdivisão de três ondas, sendo elas:

A primeira onda caracteriza-se pela garantia de assistência jurídica para os pobres. A segunda se manifesta na representação dos direitos difusos, e a terceira ocorre com a informalização de procedimentos de resolução de conflitos. Nesta análise, a primeira onda torna visíveis os problemas e as dificuldades decorrentes da pobreza. Daí o entendimento de que o acesso à justiça dependerá basicamente do reconhecimento da existência de um direito, juridicamente exigível (Cappelletti e Garth, 1988, p. 33).

 

Ao abordar a temática, os autores elencam que além do difícil acesso pelos motivos já expostos, tem a questão burocrática, o linguajar exacerbadamente formal e prolixo, e as diversas etapas para ingressar com um processo, o que, sem dúvidas garante um devido processo legal, contudo dificulta ainda mais para àqueles que possuem um acesso limitado.

Neste mesmo sentido, tem-se que o projeto em pauta se enquadraria na terceira onda, a qual é responsável pela informalização, e abarca resoluções de conflitos, “trata-se da incorporação de procedimentos não adversariais tanto no interior do Poder Judiciário como fora dele” (Sadek, 2014, p.58).

No tocante ao acesso, necessário apontar que o desconhecimento de direitos é um dos grandes precursores da não procura à justiça, muitas pessoas não conhecem os órgãos como defensoria pública, as resoluções alternativas de conflitos, e por vezes, desconhecem inclusive os direitos que possuem sob determinadas situações, fundamentando a afirmativa, vislumbra-se que a falta de políticas públicas e a grande disparidade socioeconômica no Brasil fomentam este cenário:

O país, no ano de 2012, obteve 0,498 pontos no Coeficiente de Gini, revelando alta concentração de renda e significativa desigualdade. Dados da Pesquisa nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) confirmam o elevado grau de distanciamento entre os mais ricos e os mais pobres, mostrando que em 2012 os que ocupavam posições no topo da pirâmide, isto é, 1%, tiveram sua renda aumentada em 10,8%, enquanto a dos mais pobres cresceu 6,6% (Sadek, 2014, p. 58).

 

Tendo este cenário montado, indubitavelmente, fere diretamente os direitos sociais fundamentais preconizados pela Magna Carta de 1988, principalmente o artigo 5º, cláusula pétrea que deve ser sempre protegida e imutável, a qual garante em seu inciso XXXV, o pleno acesso à justiça, regulando que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito” (Brasil, 1988). Nesta ótica, é possível afirmar que o projeto de atendimento jurídico não só promove benfeitorias para a sociedade, como serve também de mecanismo para garantir o pleno cumprimento da Constituição Federal Brasileira.

O acesso à justiça não se confunde nem se exaure com a possibilidade do cidadão levar sua pretensão ao judiciário, mas na efetiva oportunidade de proteção estatal, mediante o justo processo e a concretização das garantias do cidadão em juízo. Diante dessas considerações, aprimorar o acesso à justiça facilitando o ingresso e ajuizamento de ações constitui em ilusão da tutela jurisdicional. O Acesso à justiça não significa, simplesmente, acesso ao Poder Judiciário, ou uma mera disponibilidade ao cidadão de um instrumento processual, implica necessariamente em um procedimento que atenta ao devido processo legal (Tani e de Oliveira, 2009, p. 9058).

Dessa forma, vislumbra-se que não basta, apenas fornecer um simples acesso à justiça, se não for um acesso direcionado, que conduza o cidadão em todas as fases necessárias para passar pelo processo, ou então, que resolva de forma menos burocrática a lide, por meio de métodos autocompositivos.

Neste mesmo sentido, um dos alicerces do projeto são os métodos autocompositivos, que são métodos utilizados para redução da necessidade de litígio, convertendo as resoluções de conflitos em acordos consensuais. O grande marco para a aplicação dos métodos autocompositivos foi a publicação da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, a qual estimulou a resolução de conflitos sem que fosse necessário partir para o litigioso, da seguinte forma:

Os meios autocompositivos, além da celeridade e economicidade, ampliam a atuação cidadã dos envolvidos na negociação. O método da solução consensual de controvérsias é objetivo (pacificar com justiça), econômico (poupa tempo e recursos financeiros) e amplia a cidadania, ao permitir que as partes contribuam ativamente construção da regra que norteará suas relações (da Silva Vaz e Pinto, 2017, p. 248)

 

A autocomposição mencionada, para trazer todos os benefícios citados, funciona de duas formas, podendo ser elas conciliação ou mediação.

Em ambas as espécies existe a figura de um terceiro que se apresenta somente como auxiliar das partes na promoção do diálogo. Sua intervenção não se destina a impor uma solução, e sim a nortear os litigantes na construção do diálogo, para que eles próprios alcancem a resolução do conflito. (Vaz; Pinto, 2017, p. 251).

 

A diferenciação entre os dois métodos reside no vínculo existente entre as partes, isto é, se anterior a lide as partes não possuem nenhum tipo de vínculo, o método de autocomposição mais indicado seria o da conciliação, enquanto nas ocasiões em que existirem vínculo anterior entre as partes, deve ser utilizada a mediação.

Regulados pelo artigo 166 do Código de Processo Civil, os princípios norteadores da mediação e conciliação são a independência, a imparcialidade, a autonomia da vontade, a confidencialidade, a oralidade, a informalidade, e da decisão informada. No tocante a prática, o presente projeto andará lado a lado com o CEJUSC justamente para fazer o direcionamento necessário das lides que podem evitar o litígio para uma resolução menos morosa, mais objetiva e que atenda, da mesma forma, as partes envolvidas na busca do cumprimento e/ou retratação de um direito.

 

 

Metodologia

Em primeiro momento, o método utilizado para a realização do projeto foi a busca de entidades civis que pudessem interligar o público alvo com o programa. A partir daí, houve uma investigação in loco com os moradores dos bairros contemplados e, uma vez que não possuíam um segmento de representação de moradores atuante, foi necessário contar com o apoio das Instituições Religiosas mais atuantes com filantropia na comunidade, assim como parcerias com creches.

A princípio, o almejado era identificar as demandas com maior incidência na comunidade, buscando o embasamento teórico necessário para a prestação de serviço específico. Com o andamento do projeto, foram necessárias algumas adaptações no emprego da metodologia, tendo em vista, a pandemia e a clarificação em proporcionar celeridade na satisfação do direito dos interessados.

Desta forma, o levantamento de informações foi concebido por meio de questionário elaborado pelos participantes do projeto. Com os resultados, segue-se para a fase mais importante do projeto: visitas à comunidade, em dia previamente agendado, para atender a população, já ciente da proposta, cumprindo com todos os protocolos de segurança impostos a não propagação do Coronavírus.

Nesta esteira, proceder-se-á com a triagem das lides que comportem conciliação, que serão encaminhadas ao CEJUSC e as demandas que necessitem de judicialização, encaminhadas ao NPJ. Os acadêmicos acompanharão os processos, sob orientação até o final da demanda.

Quanto à atração do público, será utilizada também as parcerias feitas com igrejas e creches, as quais farão panfletagens com a divulgação do projeto, na tentativa de alcançar o maior número possível de pessoas com lides pendentes para serem direcionadas para a resolução de forma mais efetiva.

Por fim, no que tange a temática, logrado êxito a metodologia utilizada, a meta do projeto de extensão itinerante de atendimento jurídico poderia expandir cada vez mais pela cidade de Frutal, abrangendo bairros em estado de carência e todos aqueles que possuem problemas em um hodierno tão complexo, mas com tantas possibilidades de resolução de conflitos.

 

 

Resultados e discussões

Conforme supracitado, no cronograma estipulado no projeto inicial, foram necessárias adaptações em virtude da situação em que o país se encontra, então, entre os meses de janeiro e fevereiro/2021, foi realizado contato com algumas das instituições, contudo, sem que lograsse êxito.

Ademais, houve êxito no apoio da Comunidade Católica São Benedito, por intermédio do Padre Rogério, comunidade atuante em uma subdivisão do bairro intitulada Brejinho, área extremamente carente e que abarca cerca de ¼ da população do bairro, esta parceria ofereceu suporte para o levantamento das informações iniciais e acolhida aos atendimentos in loco, tendo em vista o fim da fase das restrições sanitárias impostas em decorrência da pandemia do Coronavírus e a entrada na onda verde do programa de restrições.

No mês de maio de 2021, foi fechada parceria com a creche Júlia de Carvalho, no sentido de ser uma das precursoras das informações do projeto para o público, a creche fica localizada no Bairro Progresso e seu corpo estudantil conta com inúmeras crianças, momento em que os pais das mesmas poderão ser contatados a respeito do projeto. Ainda, neste mesmo momento, foi realizada parceria com a creche Pequeninos de Jesus, a qual será parceira não só na divulgação, como cederá o próprio espaço físico para a realização dos atendimentos, entrega das fichas e resolução de conflitos pontuais.

As demais parcerias formadas, tem o papel fundamental na efetivação da fase fim, ou seja, após levantamento de dados e encaminhamento dos casos apurados. Sendo estas parcerias firmadas com o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, especificamente, pela 2.ª Vara Cível, com apoio do Juiz de direito Dr. André Ricardo Botasso, que propôs apoio técnico da equipe do CEJUSC para promover os atendimentos com métodos autocompositivos na comunidade. Nesta esteira, temos parceria consolidada com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, com apoio da Promotora de Justiça Dra. Daniela Campos de Abreu Serra, ativista da justiça restaurativa na Comarca e que compõe o corpo técnico do CEJUSC.

No âmbito das áreas de atuação, o projeto visa atender lides consumeristas, as quais acontecem frequentemente, por diversas vezes os consumidores têm direitos frustrados perante a grandeza das empresas e hipossuficiência do consumidor, além disso, questões cíveis também serão abordadas pelo projeto, sendo os casos não passíveis de autocomposição encaminhados para o Núcleo de Prática Jurídica, ou até mesmo para a Defensoria Pública, em decorrência da hipossuficiência da parte.

O calendário inicial do projeto contava com as seguintes datas e atividades:

 

ANO

MÊS

ATIVIDADES

2020

Abril/Maio

Estabelecimento de parcerias com prefeitura, associações de bairros, associações de profissionais em geral, Exército, Polícia Civil e Militar e Tribunais; Orientação periódica;

2020

Maio/Junho

Investigação in loco com os sujeitos que serão beneficiados ou liderança da comunidade com o objetivo de identificar os principais problemas vivenciados pela comunidade;

Orientação periódica;

2020

Julho/Agosto

Capacitação dos estudantes (bolsista e voluntários) a partir das demandas da comunidade;

Divulgação; Orientação periódica;

2020

Setembro

Atendimento e orientação jurídica in loco na comunidade selecionada (Bairro Princesa Isabel) para a realização dos atendimentos com a população;

Proceder ao ajuizamento e acompanhamento das ações judiciais;

Orientação periódica;

2020

Outubro

Atendimento e orientação jurídica in loco na comunidade selecionada (Bairro Progresso) para a realização dos atendimentos com a população;

Proceder ao ajuizamento e acompanhamento das ações judiciais;

Orientação periódica;

2020

Novembro

Continuidade da prestação de assistência jurídica e elaboração de relatório final.

Orientação periódica;

2020

Dezembro

Continuidade da prestação de assistência jurídica e elaboração de relatório final.

Orientação periódica;

 

De certa forma, as atividades seguiram as mesmas, contudo, com novas datas por causa das restrições municipais em virtude da COVID19. Na primeira quinzena do mês de novembro de 2021 iniciamos a divulgação do projeto com os parceiros, por meio de formulários eletrônicos, tendo em vista o aumento do contágio pelo coronavírus, os quais foram compartilhados por entidades sem fins lucrativos, como a Guarda Mirim de Frutal, a creche parceira Pequeninos de Jesus e por meio do acessado blog jornalístico “blog do Portari”.

Passado da fase virtual, ainda com o avanço da pandemia, foram realizadas algumas tentativas de atendimento presencial na Igreja Comunidade Católica São Bento que, apesar do pequeno grupo que frequentou em decorrência do coronavírus, foi possível iniciar um projeto levado pela freira irmã Lurdinha, a qual integra a diretoria do asilo Pio XII e solicitou para que estudássemos a possibilidade de pleitear judicialmente ao município fraldas geriátricas para os idosos assistidos, além disso, a possibilidade dos idosos receberem Auxílio de Prestação Continuada e quais fariam jus a esse benefício.

           

 

Considerações finais

A inobservância e a não aplicabilidade dos direitos, ainda, segue deixando pessoas à mercê da marginalização, ou seja, sem que haja a contemplação de seus direitos e deveres. Nota-se que problemas classificados como dificultosos geralmente podem ser resolvidos de forma célere, prática e eficaz, sem despesas ou necessidade de grande deslocamento.

Dessa forma, respaldado por todo o ordenamento jurídico já citado, o presente projeto de extensão visa atender a população menos abastada da Cidade de Frutal, Minas Gerais, mais especificamente nos bairros Progresso e Princesa Isabel, lides cíveis que, por vezes, podem ser resolvidas de forma mais simples e eficaz do que e judicialização.

Nesse sentido, salienta-se que no cenário em que são raras as políticas públicas voltadas à educação, bem como são exponenciais os índices de pobreza e a disparidade social, projetos como os de atendimento jurídico devolve para os cidadãos os direitos fundamentais que deveriam ser inerentes a estes.

Apesar das grandes restrições municipais em virtude da pandêmica da COVID-19 (impossibilidade de prestar atendimento in loco nos bairros escolhidos pelo projeto e da suspensão atendimento presencial do Núcleo de Prática Jurídica da UEMG) o projeto mencionado cumpriu com sua finalidade, levando à comunidade frutalense e, em especial as áreas periféricas, a possibilidade de resolver conflitos simples, antes tão complexos na concepção do público-alvo. A premissa de levar acesso à justiça para a própria comunidade, faz com que aqueles tão distantes do espaço acadêmico tenham a perspectiva de dias melhores.

É fundamental a continuidade de tal projeto, visto que o mesmo garante e promove a acessibilidade necessária para que os direitos e deveres das populações mais carentes sejam resguardados. Conforme já citado, apesar das restrições municipais em virtude da pandêmica da COVID-19, o projeto avançou com o estabelecimento de parcerias nos bairros carentes para uma possível inserção, em 2022, com atendimento in loco da população. A estrutura de atendimento através da confecção de formulários já foi estabelecida e o direcionamento das demandas poderá ser mais efetivado com a volta do atendimento no Núcleo de Práticas Jurídicas da UEMG e com a atuação do CEJUSC-Frutal para promover conciliação e mediação principalmente de demanda relativa ao direito de família.

 

 

Referências

12 estados reduziram o número de defensores públicos em 2020. (2021, janeiro 15). Migalhas. https://www.migalhas.com.br/quentes/338918/12-estados-reduziram-o-numero-de-defensores-publicos-em-2020.

Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.

Brasil, Resolução Nº 125 de 29 de novembro de 2010. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156.

Cappelletti, M. e Garth, B. (1988). Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris.

Carbonari, M. E. E. e Pereira, A. C. (2015). A extensão universitária no Brasil, do assistencialismo à sustentabilidade. Revista de Educação, 10(10), 23-28.

Sadek, M. T. A (2014). Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos. Revista USP - Dossiê Justiça Brasileira, (10), 55-66.

Tani, F. S. e de Oliveira, V. C. (2009). A deficiência no acesso à justiça. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/sao_paulo/Integra.pdfAcesso em: 25 out. 2022.

da Silva Vaz, J. e Pinto, R. E. A. (2016). Autocomposição de conflitos: Da cultura de litigância à solução consensual. Revista FIDES, 7(1), 30.

 

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[1] Trata-se do resultado de um projeto de extensão desenvolvido no ano de 2002 pela Curso de Direito da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG/Brasil, sob coordenação do prof. Dr. Pablo Martins Bernardi Coelho. O projeto de extensão recebeu apoio financeiro do PAEx-UEMG (bolsa de incentivo ao desenvolvimento de projetos de extensão na universidade).