Impasses das ações de Segurança Alimentar e Nutricional em Campos dos Goytacazes

 

Impedimentos de las acciones de Seguridad Alimentaria y Nutricional en Campos dos Goytacazes

 

Food and Nurture Security Standoff in Campos dos Goytacazes

 

·  Amanda Durães de Jesus

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

amandaduraesdejesus@gmail.com

orcid.org/0000-0002-0544-4933

 

·  Thaís Silva Lisbôa

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

thaislisboa1996@gmail.com

orcid.org/0000-0002-2359-7132

 

·  Samara de Souza Cruz

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

samarasc04@gmail.com

orcid.org/0000-0003-2158-2970

 

·  Letícia Crisóstomo de Souza Barcellos

Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

leticiadesouzabarcellos@gmail.com

orcid.org/0000-0001-8235-1549

 

 

Sección: Políticas Públicas

Recepción: 09/02/2023                 Aceptación final: 31/07/2023

 

Para citación de este artículo: Durães de Jesus, A., Silva Lisbôa, T., Souza Cruz, S. y Crisóstomo de Souza Barcellos, L. (2023). Impasses das ações de Segurança Alimentar e Nutricional em Campos dos Goytacazes. Revista Masquedós, 8(10), 1-14. https://doi.org/10.58313/masquedos.2023.v8.n10.226.

 

 

Resumo

Este artigo traz os avanços de um projeto de extensão universitária, que aborda os rumos da Política Pública em Segurança Alimentar e Nutricional para o Município de Campos dos Goytacazes, na região norte do estado do Rio de Janeiro. O esforço vai no sentido de compreender o papel dos atores públicos e sociedade civil em implementar uma política pública de caráter transversal, em um cenário de enfrentamento à falta de diálogos institucionais.

Palavras chaves: Projeto de Extensão; Segurança Alimentar e Nutricional; Pandemia; Conselho Municipal.

 

Resumen

Este artículo presenta los avances de un proyecto de extensión universitaria que aborda los rumbos de la Política Pública en Seguridad Alimentaria y Nutricional para el Municipio de Campos dos Goytacazes, en la región norte del estado de Río de Janeiro. El esfuerzo se enfoca en comprender el papel de los actores públicos y la sociedad civil en la implementación de una política pública de carácter transversal, en un escenario de enfrentamiento a la falta de diálogos institucionales.

Palabras clave: Proyecto de Extensión; Seguridad Alimentaria y Nutricional; Pandemia; Consejo Municipal.

 

Abstract

This article brings the advances of a university extension project, which addresses the direction of Public Policy on Food and Nutrition Security for the Municipality of Campos dos Goytacazes, in the northern region of the state of Rio de Janeiro. The effort is aimed at understanding the role of public actors and civil society in implementing a public policy of a transversal nature, in an scenario of tackling the lack of institutional dialogues.

Keywords: Extension Project; Food and Nutrition Security; Pandemic; City Council.

 

 

Introdução[1]

O Brasil sofreu um desmonte das políticas públicas de combate à fome e à pobreza, a partir de 2016 e intensificada no governo do ex-presidente Bolsonaro, agravadas pela condução da pandemia de Covid-19, entre 2020 e 2021. Tais questões se evidenciam no 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil em 2022, que aponta um total de 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer e que 58,7% da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau (leve, moderado ou grave). Estes resultados colocam o país em um patamar de insegurança alimentar compatíveis com os da década de 1990, e de volta ao mapa da fome (Rede PENSSAN, 2022).

Neste artigo, consideramos como ponto de partida para abordar novamente a questão da fome no país o agravamento da situação socioeconômica causado pela política de ajuste fiscal, resultante da Emenda Constitucional nº 5 de 2016, que instituiu o "teto de gastos". Com efeito, adotou-se como regra o corte de recursos financeiros em muitos setores da administração pública, sendo que as políticas sociais foram diretamente afetadas tendo em vista um ajuste fiscal e rigoroso, privilegiando o controle dos gastos públicos das três esferas da Federação. Desse modo, deu-se início ao desmonte de inúmeras políticas sociais, inclusive as de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) que estava tendo um histórico de progressão e institucionalização.

Em março de 2020, o mundo foi impactado pela pandemia de Covid-19, tornando a insegurança alimentar e nutricional ainda mais preocupante. Após o início da pandemia causada pelo novo coronavírus. A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN, 2022) publicou o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, que demonstrou um aumento no número de expansão da fome no país após os dois primeiros anos da pandemia. Nesse caso, constatou-se que 33,1 milhões de pessoas estavam em situação de insegurança alimentar grave, valor 74% superior ao estudo realizado pela mesma rede de pesquisa no ano anterior.

A pesquisadora em macroeconomia do CEPEA, Andréia Adami (2021), pontuou em um artigo intitulado Segurança Alimentar e o Papel do Brasil na Oferta Mundial dos Alimentos, em 19 de abril de 2021, que o Brasil é um dos principais produtores do planeta, o qual possui insumos suficientes para abastecer sua população e também à uma parcela considerável da população de outros países. Assim como a pesquisadora aponta que após a Revolução Verde o país teve um avanço quatro vezes maior na produtividade agrícola. Através destas afirmações, surgem os questionamentos: se o Brasil consegue abastecer em quantidade e qualidade suficiente sua própria população, por qual motivo existem mais de 33 milhões de pessoas em insegurança alimentar e nutricional? E se a produção avançou, por que em Campos dos Goytacazes não existem voltadas para a garantia da alimentação adequada mesmo sendo um polo agrícola?

Em publicação no ano de 2022, o Observatório das Desigualdades da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro (FJP-BH), sediada em Belo Horizonte (MG) trouxe o volume “Máquina do Tempo: O Brasil de volta ao Mapa da Fome” (2022), onde ressalta o agravamento da insegurança alimentar não se deve somente com a crise sanitária, sendo resultado das desigualdades sociais no Brasil em relação às políticas sociais de segurança alimentar e nutricional. Juntamente com o alerta sobre o avanço da fome no Brasil da FJP-BH, inúmeras outras iniciativas foram publicadas e veiculadas nos últimos anos chamando a atenção para o retorno da mazela da fome no país, em que pese o enfrentamento temerário do governo Bolsonaro à pandemia (Oliveira et al. 2020; Freitas & Pena, 2020; Schappo, 2021).

Um ano antes da pandemia, a primeira ação do governo Bolsonaro, deu-se por meio do ato que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), com a publicação da Medida Provisória n° 870, de 2019,  e consequente exoneração dos funcionários da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN) através da Medida Provisória nº 870, de 2019, com o veto ao Plano Plurianual (PPA) para os anos de 2020 a 2023, que estabelecia o compromisso orçamentário com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nessa mesma toada, o governo dissolveu a comissão nacional de implementação da Agenda 2030 no Brasil. Em outras palavras, houve um enfraquecimento institucional da sociedade civil, como mecanismo de participação nas decisões públicas.

Vale ressaltar, que o papel da sociedade civil, que em termos formais tem o seu espaço nos conselhos participativos de políticas públicas, que sofrem com as alternações de governos, implicando diretamente no caminhar das políticas públicas nas quais sofrem com a ruptura destas (Pacheco, 2019). Como citado anteriormente, as políticas de SAN sofreram grandes mudanças durante os governos federais, no qual houve um grande incentivo destes durante os governos petistas de Lula e Dilma (2003 à 2016) e nos governos Temer e Bolsonaro (2016 a 2022) ocorreram os maiores retrocessos para o segmento.

As instâncias relacionadas às políticas de SAN, administrativamente, foram sendo desmontadas e realocadas. A desvinculação foi atrelada aos eixos da participação popular no Executivo Federal e na fiscalização de políticas públicas, deixando claro os contornos daquele novo governo. Nessa mesma linha cabe também salientar, que em 2019 o estoque regulador de grãos da CONAB foi fechado, eram 27 armazéns, estes responsáveis pela distribuição e controle dos alimentos e de seus preços, combate à fome, proteção a pequenos agricultores, atuação em caso de desastres ambientais etc. Com efeito, tem-se que nos anos que se seguiram foi observado o aumento significativo do preço dos alimentos e produtos nos mercados, ampliação da população em situação de pobreza, fortemente agravada com a gestão adotada na pandemia da Covid-19, que contribuiu com o retorno do Brasil ao mapa da fome, expondo os problemas de insegurança alimentar e nutricional (Fundação João Pinheiro [FJP], 2022).

O movimento adotado pelo governo federal ao extinguir o CONSEA nacional não foi observado nas demais esferas de governo, tanto estaduais quanto municipais. Os conselhos participativos de políticas de SAN mantiveram-se ativos, mais fragilizados e desarticulados, pela ausência do conselho nacional, mas ainda assim, funcionando como órgãos de participação da sociedade civil organizada e com ligação direta às decisões dos Executivos estaduais e municipais. Como é o caso do conselho em políticas de SAN localizado em Campos dos Goytacazes, região norte do Estado do Rio de Janeiro. Esse é o foco do estudo, tendo como referência o projeto de extensão universitária intitulado “Diagnóstico da Política Pública em Segurança Alimentar e Nutricional para o Município de Campos dos Goytacazes (RJ)”, junto à Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF).

Os reflexos da falta de articulação atingem os conselhos municipais e o COMSEA-Campos não fugiu à regra, em especial, por três grandes motivos. O primeiro por falta de orientação das entidades superiores e nota-se que os conselheiros se viam perdidos sem saber o que de fato iriam fazer e como proceder com os trâmites burocráticos e de ações. O segundo fator se deu pela não participação do governo local e o constante “boicote” no cenário municipal dos conselheiros representantes do governo, os quais esvaziaram os debates. O terceiro fator se deu pela covid-19, que escancarou a realidade de falta de distribuição de internet pelas localidades mais distantes da cidade, vale citar que os conselheiros da sociedade civil que compõem o COMSEA moram em bairros e distritos rurais, os quais as coberturas de rede não atendem a demanda e em algumas localidades sequer rede telefônica possui sinal, as falhas de comunicação se tornaram frequentes durante o longo período de quarentena, o que interferiu na  não realização de muitas reuniões durante os anos de 2020, 2021 e início de 2022.

O presente artigo apresentará em sua estrutura uma breve introdução a qual apresenta uma linha temporal das ações de SAN no Brasil, em seguida será introduzido a atuação e a importância do projeto de extensão Diagnóstico da Política Pública em Segurança Alimentar e Nutricional para o município de Campos dos Goytacazes (RJ) para a garantia dos direitos à alimentação segura e nutritiva, como primeiro tópico. Após a exposição sobre o projeto extensionista, será possível analisar o segundo ponto que relata o cenário de desmontes e reconstruções do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), o qual levará ao terceiro tópico que trará sobre uma análise da atuação do Conselho Municipal de SAN de Campos dos Goytacazes (COMSEA-Campos) durante o período pandémico e como a falta de uma entidade nacional como referência afetou a atuação nos municípios de interior. O quarto tópico deste trabalho apresentará a ideia do Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (PLAMSAN), assim como o Prêmio de Boas Práticas e como estas duas ferramentas auxiliam e promovem a garantia de segurança alimentar e nutricional para a população de Campos dos Goytacazes. Estes tópicos nos levam às conclusões deste artigo que encontra-se a apresentar que é possível projetos extensionistas darem reais retornos para a população, assim como fortalecer o princípio de que a universidade deve andar ao lado da sociedade.

No decorrer do presente artigo, abordaremos as significativas movimentações e desafios enfrentados pelo Grupo de Pesquisa de Extensão da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) no intuito de promover e assegurar a segurança alimentar e nutricional na região de Campos dos Goytacazes. Este estudo tem como objetivo lançar luz sobre as ações empreendidas pelo mencionado grupo, bem como os obstáculos que surgiram no decorrer de sua trajetória, a fim de contribuir com a compreensão e apreciação dos esforços desenvolvidos no âmbito da segurança alimentar e nutricional nessa localidade.

A fim de enriquecer o embasamento e fornecer uma análise aprofundada, baseamos nossas reflexões em uma pesquisa qualitativa. Essa abordagem metodológica permitiu obter uma riqueza de dados que possibilitam uma descrição detalhada das atividades exploratórias e explicativas realizadas no contexto em estudo. Ao longo deste artigo, serão identificados e discutidos os principais projetos e iniciativas desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa de Extensão da UENF, visando promover a segurança alimentar e nutricional em Campos dos Goytacazes. Serão destacados os resultados alcançados por essas ações, bem como o seu impacto na comunidade local.

Por fim, acredita-se que este artigo contribuirá para o fortalecimento do conhecimento no campo da administração pública e da segurança alimentar e nutricional, reforçando a importância da atuação acadêmica e da pesquisa aplicada como meios eficazes de intervenção social e de desenvolvimento de políticas públicas. Ao apresentar os resultados e análises dessa pesquisa qualitativa, espera-se fomentar discussões e reflexões que contribuam para a melhoria das condições alimentares e nutricionais em Campos dos Goytacazes e além, buscando sempre a construção de uma sociedade mais justa e sustentável.

 

 

A importância da extensão como sujeito de mudanças na sociedade de Campos dos Goytacazes

No ano de 2010, foi aprovado para o seu primeiro ano o projeto de extensão, intitulado atualmente de Diagnóstico da Política Pública em Segurança Alimentar e Nutricional para o município de Campos dos Goytacazes (RJ), tendo como órgão financiador a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). O referido projeto possui como intuito central a atuação e desenvolvimento de políticas públicas no que tange a esfera de garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), o qual o referido direito foi consagrado, em 2010, no artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que obriga o Estado a prover a espinha dorsal da alimentação adequada para toda a população brasileira. Atualmente, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISVAN) é responsável por apoiar e fazer valer os direitos consagrados na Constituição Federal, bem como na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), cuja política pública de regulação do acesso favorece a alimentação e água para os brasileiros.

Seguindo o que é descrito por José Graziano da Silva, em Fome Zero: Política Pública e Cidadania (Rocha, 2004), a segurança alimentar é composta por quatro dimensões, sendo a primeira caracterizada por uma dimensão de quantidade, onde cada indivíduo necessita consumir vitaminas, calorias e proteínas suficientes para manter uma vida saudável. A segunda dimensão é a qualidade, e os indivíduos precisam ter acesso a alimentos nutritivos e de alta qualidade para comer com segurança. A dimensão da regularidade refere-se à realização de pelo menos três refeições diárias, nomeadamente pequeno-almoço, almoço e jantar. Finalmente, a quarta dimensão é a dignidade. Os autores dão exemplos de pessoas que comem sobras de aterros sanitários ou restaurantes que falham em promover uma alimentação segura.

Graziano ainda indica que a insegurança alimentar e nutricional (IAN) é classificada em três níveis: leve, moderada e grave. A moderação é composta pela incerteza dos cidadãos sobre o acesso recente aos alimentos ou se os alimentos eram de boa qualidade quando ingeridos. A categoria média significa que, embora haja comida disponível, ela não é consumida o suficiente. O terceiro estágio é quando as pessoas não conseguem comida para consumir e entram no estágio de fome. De maneira geral, entendemos que o IAN é classificado quando o alimento não é consumido de forma regular e permanente.

Através das classificações do autor Graziano e dos dados obtidos no 2º Inquérito Nacional sobre insegurança alimentar no contexto da Pandemia da Covid-19, o referido projeto de extensão da UENF reafirmou a importância de existir a necessidade de consolidar políticas públicas que possam acabar com a insegurança alimentar e nutricional no município de Campos dos Goytacazes. Para a realização da promoção da SAN na cidade, foram promovidas parcerias entre o projeto da UENF, a prefeitura municipal de Campos dos Goytacazes, o COMSEA-Campos, a sociedade civil organizada e com a Fundação João Pinheiro (FJP).

O projeto de pesquisa extensionista Diagnóstico da Política Pública em Segurança Alimentar e Nutricional para o município de Campos dos Goytacazes (RJ), possui como alguns de seus objetivos formular um diagnóstico e o mapeamento das ações e informações de SAN, aproximar pesquisadores e gestores públicos de áreas afins sob o prisma da intersetorialidade, formular um banco de dados contendo pesquisas, estudos acadêmicos e informações estatísticas na área de SAN e atuar conjuntamente com o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Campos dos Goytacazes para sua organização e formalizar grupos de estudos com os conselheiros, a fim de promover juntamente com a sociedade civil, governo e universidade propostas de políticas públicas em SAN.

 

 

Desarticulação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)

A partir da redemocratização do Brasil na década de 1980, o debate sobre a fome e desnutrição foi ganhando força e mais atenção, demandando políticas públicas com objetivo de garantir acesso a alimentos para todos, além do monitoramento de qualidade e produção destes. O Partido dos Trabalhadores (PT) foi responsável por elaborar a Política Nacional de Segurança Alimentar no ano de 1991. Em 1993, a política elaborada pelo PT foi incorporada ao governo de Itamar Franco (dezembro de 1992 a 1994), neste mesmo ano o sociólogo Herbert Souza (Betinho) criou o projeto Ação da Cidadania, ambas ações expandiram o debate sobre a fome na conjuntura nacional junto da mídia, e foram fundamentais para a criação do CONSEA também em 1993 (Porto et al.,2022).

O CONSEA tem um papel fundamental na organização de políticas a serem incluídas nas agendas governamentais, por se tratarem de pautas sociais, e portanto, nada melhor do que a sociedade civil para apontar as questões mais necessárias e emergenciais que precisam de atenção e solução. Oliveira e Carvalho (2020) compreendem que o conselho tem como objetivo efetivar o fundamento de controle social, e que traga uma proximidade entre quem gerencia o Estado e a sociedade civil.

(...) o CONSEA era o órgão de assessoramento à Presidência da República e tinha como competência institucional apresentar proposições e exercer o controle social na formulação, execução e monitoramento das políticas de segurança alimentar e nutricional, tendo caráter consultivo, composto por 1/3 de representantes de diferentes órgãos do poder executivo e 2/3 da sociedade civil. Ele foi instituído pelo Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), sua estrutura de governança prévia como elementos centrais a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) (Oliveira & Carvalho, 2020, p.8).

O CONSEA passou por rearticulações e adaptações, sendo fortalecido principalmente durante o governo Luís Inácio Lula da Silva (PT), em 2003, onde passa por um processo de recriação já que foi extinto durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). A reativação dos espaços de participação da sociedade civil nesse segmento, via conselho com a criação do Programa Fome Zero, onde o CONSEA foi essencial para que em 2014, de acordo com o relatório global das Nações Unidas, o Brasil sair do mapa da fome (Porto et al., 2022).

Todavia, essa importância percebida até aqui, do papel da sociedade civil organizada foi descaracterizada no governo de Jair Bolsonaro, ocorre um esvaziamento das políticas de SAN em um país tão desigual. Além de demonstrar a falta de interesse por parte do governo de dialogar com a sociedade civil e identificar suas pautas. Ao final de 2019, a crise sanitária da Covid-19 se alastra, partindo do continente asiático e se expandindo aos demais. O Brasil foi um dos países mais atingidos, por falta de mobilização do governo, fazendo intervenções tardias, e contribuindo com fake news sobre medicamentos que ajudariam no combate a Covid-19. O Brasil já vivia uma crise alimentar, a partir dos esvaziamentos das políticas de SAN, o que foi agravado a partir da crise sanitária, e a falta de tato para lidar com ambas situações por parte do Governo de Jair Bolsonaro (Porto et al., 2022).

Com as eleições gerais de 2022 e a vitória de Lula para o seu terceiro mandato de Presidente da República, uma nova perspectiva para a Segurança Alimentar e Nutricional do Brasil encaminha para novos rumos. A Medida Provisória (MP) 1.154 de 2023 determina a reativação do CONSEA, assim como a criação da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dentro do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). As especulações entre os grupos de estudiosos da temática de SAN, veem com positividade e entusiasmo o novo governo federal ter um olhar para o combate à fome e a insegurança alimentar no país.

Afinal, as políticas públicas de SAN, como as demais políticas, carecem de coordenação federativa para alcançar a extensão territorial do país e mais especificamente, devido a seu carácter transversal, que conjuga ações com outras políticas, como agricultura, assistência, educação, saúde e entre outras (Falçoni, 2020). Esse perfil intersetorial da política pressupõe articulação e planejamento, conjugado com as demais políticas públicas.

 

 

O COMSEA-Campos e a atuação no Período Pandêmico

O desmonte impulsionado pelo governo federal, na gestão Bolsonaro, nas políticas de SAN teve impacto no âmbito municipal, pois sem orientação nacional as articulações e ações ficaram comprometidas e sem condições de desenvolver diretrizes para o segmento municipal. Diante deste cenário, os conselhos estaduais do Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro se articularam depois da extinção do CONSEA para unir forças contra o desmonte da SAN e continuar com os trabalhos para com os conselhos municipais.

Durante a crise sanitária causada pela Covid-19, esses problemas se destacaram. Em cada Estado a orientação sobre como proceder com o acesso, consumo e distribuição dos alimentos se deu de forma distinta. Um exemplo claro foram as diferenças entre os estados do sudeste do Brasil, enquanto o estado de São Paulo adquiriu uma postura mais privatista, o Espírito Santo se organizou em torno das políticas públicas já estabelecidas pelo governo estadual, organizando e estruturando o abastecimento de forma mais efetiva da região, aproveitando as estruturas das suas Centrais de Abastecimento (CEASAs). Tais questões foram observadas através de uma pesquisa a qual o projeto de extensão desenvolveu no ano de 2021 após um ano da crise do Coronavírus. Vale pontuar, que o estado do Rio de Janeiro, como um todo, esteve desarticulado em políticas de SAN e de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre insegurança alimentar no contexto da Pandemia da Covid-19, sendo que o Estado possui 9,7 milhões de pessoas em insegurança alimentar grave.

Durante a pandemia, o grupo de pesquisa da UENF se articulou com o COMSEA-Campos para que as reuniões continuassem acontecendo e que os avanços obtidos de 2011 até 2020, na gestão do conselho, em que a equipe do projeto de extensão universitária pôde contribuir na sua organização, não se perdesse. Deste modo, continuamos incentivando as reuniões online, criando procedimentos e viabilizando os encontros remotos.

Durante a pandemia o COMSEA-Campos esteve inoperante, por questões como, transição de governo e a própria desmobilização que a pandemia e o isolamento social causaram. Essa situação foi problemática para o avanço de questões de Segurança Alimentar e Nutricional no município, em um período onde era ainda mais necessário e urgente, discutir questões de segurança alimentar, a atual conjuntura se deparava com o país de volta ao mapa da fome, e assim, sem o conselho ativo, se perdia o espaço institucional viável para debater essas questões.

As reuniões online não possuíam a abrangência desejada e dificilmente eram encaminhadas deliberações. Constantemente os conselheiros possuíam dificuldades em se comunicarem, visto que muitos moram em áreas rurais no qual o sinal de rede não comporta uma reunião online. Com a dificuldade em deliberação o projeto de extensão fomentou o diálogo com a prefeitura municipal de Campos dos Goytacazes, e deste modo, agregar dados sobre SAN, bem como buscou-se envidar esforços para que se pudesse conseguir informações em âmbito estaduais e nacionais de modo que se pudesse orientar as decisões do conselho.

As articulações construídas ao longo desse período, em especial com conselho estadual em SAN, do Rio de Janeiro, percebeu-se um interesse deste conselho em manter a proximidade com os conselhos municipais de SAN. Em junho de 2022 o COMSEA-Campos junto com o grupo de pesquisa extensionista “Diagnóstico da política de segurança alimentar e nutricional para o município de Campos dos Goytacazes (RJ) - décimo primeiro ano”  se organizaram para promover a 4ª Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, no qual a estrutura da direção estadual do conselho se fez presente, promovendo uma mesa redonda e informativa sobre acesso à alimentação segura e os desafios pós pandemia, assim como a estadual auxiliou na tiragem de delegados para a Conferência Estadual de SAN.

Após os dois anos de desarticulação durante a pandemia da Covid-19, a Conferência Municipal de SAN auxiliou para que o COMSEA-Campos voltasse a se organizar e promover reuniões periódicas, durante a atividade houve um momento de votação para preencher as cadeiras em vacância para reorganizar o conselho com novos membros. Desde então, a pesquisa de extensão tem acompanhado e incentivado os conselheiros do COMSEA-Campos em se articular para acompanhar os editais da prefeitura relacionados à  alimentos da agricultura familiar destinados a merenda escolar, reunindo com o governo municipal para incluir os agricultores campistas no programa do governo federal “Alimenta Brasil” e também em chamá-los a organizar a própria entidade, como redigindo um novo Regimento Interno e a contribuírem com o Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (PLAMSAN).

           

 

Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (PLAMSAN) e a Construção do Prêmio de Boas Práticas em SAN

Para o ano de 2023 foram estabelecidas duas grandes metas para promoção de SAN no município de Campos dos Goytacazes, juntamente com o COMSEA-Campos. A primeira possui previsão de entrega para junho do mesmo ano, que será o Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional e o segundo será o Prêmio de Boas Práticas em SAN. Trata-se de uma proposta que consiste na identificação e categorização de ações voltadas para as políticas de SAN, nos seus três eixos: produção, distribuição e consumo, seja de origem de instituições públicas, privadas ou terceiro setor. O esforço em dar viabilidade às metas tem o intuito de auxiliar a sociedade civil e o governo a se movimentarem em torno de promoverem ações de SAN e diminuir a insegurança alimentar e nutricional em Campos dos Goytacazes, a maior cidade do estado do Rio de Janeiro.

O Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional De Campos dos Goytacazes (PLAMSAN-Campos) tem como proposta trazer um conjunto de dados e indicadores de Segurança Alimentar e Nutricional que possam contribuir para elaboração de um diagnóstico da situação de SAN no município, com base em dados das diversas secretarias de governo, de modo a possibilitar um melhor entendimento sobre a política pública e embasando metas que possam ser implementadas pela gestão das políticas públicas de SAN.

Para o desenvolvimento do Plano Municipal, o projeto extensionista da UENF, conta com a parceria da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, que tem uma trajetória na construção desse tipo de planejamento, articulando ações que envolvem a sociedade civil, o governo e demais interessados no tema, capazes de garantir meios de gestão mais constantes para a criação do PLAMSAN, trazendo de volta à agenda política a temática de SAN.

As ações que são incorporadas no PLAMSAN devem estar presentes no planejamento do Poder Executivo e ser regularmente monitoradas pelo Poder Legislativo e pela sociedade civil. Em termos formais, tem-se que a Lei nº 8882, de 12 de dezembro de 2018 prevê:

Art.11. O Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional deve ser um instrumento, resultante do diálogo entre governo e sociedade civil, de orientação para que organizem ações voltadas para a garantia do direito humano à alimentação adequada.

Art.12. O Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, no âmbito do PPA - Plano Plurianual de Ação, deverá:

I - Identificar estratégias, ações e metas a serem implementadas segundo cronograma definido;

II - Indicar as fontes orçamentárias e os recursos técnicos, financeiros e administrativos a serem alocados para a concretização do direito humano à alimentação adequada;

III - Potencializar as ações de segurança alimentar e nutricional do município, propiciando melhores resultados e visibilidade;

IV - Criar condições efetivas de infraestrutura e recursos humanos que permitam o atendimento ao direito humano à alimentação adequada;

V - Definir e estabelecer formas de monitoramento mediante a identificação e o acompanhamento de indicadores de vigilância alimentar e nutricional.

A confecção do documento formal do PLAMSAN em âmbito local, considera ainda, a anuência ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), a partir da compreensão do Decreto nacional nº 7.272/2010, que estabelece os requisitos para adesão ao SISAN: (i) instituir um Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional composto por 2/3 de representantes da sociedade civil e 1/3 de representantes governamentais; (ii) instituir uma câmara ou instância governamental de gestão intersetorial de segurança alimentar e nutricional; e (iii) estabelecer compromisso, de elaborar um Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, tendo como prazo e período de um ano após o referido ato.

É neste contexto de planejamento, por meio do plano, que se busca ressaltar o caráter transversal dessa política pública, dialogando com uma pluralidade de áreas de atuação. Quase todas as áreas do governo precisam operar no processo de promoção da alimentação saudável e adequada. Seja com iniciativas que partem da saúde, como ações que visem garantir o aleitamento materno, a desnutrição infantil, o combate à obesidade (e os seus riscos); também da educação, quando proporciona alimentação saudável para os alunos, a educação alimentar; na agricultura, quando se atenta aos meios de produção de alimentos juntamente com uma rede de distribuição; bem como na assistência social, com ações que envolvem o fornecimento de alimentos às famílias carentes. São inúmeras as pontes que se pode construir, tendo como amálgama as políticas públicas de SAN.

Deste modo, a UENF, por meio da equipe do projeto extensionista em parceria com FJP-BH, tem feito articulações com o poder público local e o COMSEA-Campos para promover debates, colher dados e objetivos factíveis que possam ser realizados possibilitando a construção do Plano Municipal em SAN, além do fortalecimento da política em âmbito local.

O PLAMSAN parte de metas estabelecidas em conjunto, de modo que possam promover a melhoria das ações e a interlocução das políticas de SAN na cidade, visando o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), com o objetivo de fomentar a agricultura familiar e coordenar a capacitação de assentamentos, quilombos e pescadores artesanais para que possam aderir a programas como o Alimenta Brasil, PNAE e PAA. Além disso, busca-se fortalecer a rede e a articulação entre as secretarias municipais. Em relação ao Prêmio de Boas Práticas em Segurança Alimentar e Nutricional, o objetivo é mapear e catalogar as ações que atuem em algum segmento da SAN, com o propósito de estimulá-las, bem como oferecer insumos técnicos, gerenciais e de logística, com o fito de melhorar essas ações com o auxílio da universidade, compreendendo a Segurança Alimentar e Nutricional, sob a perspectiva de um direito. A candidatura pode ser realizada por quaisquer organizações públicas, privadas e não-governamentais que tenham desenvolvido alguma prática contínua em segurança alimentar e nutricional.

Após a elaboração e publicação do PLAMSAN de Campos dos Goytacazes, que tem previsão estar disponível no segundo semestre de 2023, o foco do projeto extensionista da UENF e o COMSEA-Campos terá o Prêmio de Boas Práticas em SAN será mais uma ferramenta que possui o objetivo de incentivar e divulgar experiências que colaboram na melhoria das condições alimentares e nutricionais da população e que possam ser reproduzidas em outros locais, “contribuindo para a promoção da cidadania através da democratização do acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente” (Brasil. Prefeitura de Belo Horizonte, Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, 2006, p.7). Enquanto objetivos específicos, o prêmio precisa:

1.    Reconhecer ações de SAN desenvolvidas pela administração pública (governos), pela sociedade civil (organizações não governamentais) e pela iniciativa privada (empresas de qualquer porte), que concorram para ampliar o acesso dos cidadãos à alimentação adequada;

2.    Mobilizar e estimular organizações a desenvolverem ações para aumentar os níveis de segurança alimentar sob a perspectiva de um direito;

3.    Divulgar as experiências analisadas e criar um Banco Virtual de Projetos na área de SAN, que possa ser utilizado para pesquisas e consultas e reúna exemplos de ações e práticas eficazes;

4.    Fornecer às organizações candidatas uma oportunidade de avaliação de suas ações em relação às diretrizes, às normas fundamentais e aos princípios que norteiam as Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (Brasil. Prefeitura de Belo Horizonte, Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, 2006, p.7).

 

Nesse sentido, o esforço em buscar identificar as ações em SAN no município permite diagnosticar os entraves e impasses na consecução dessa política, com o propósito de interligar os atores (públicos, privados e terceiro setor) e a partir deste trabalho identificar e sanar os gargalos na execução das políticas públicas de SAN. E assim, fomentar a criação de um “produto” que possa ser utilizado em diversos âmbitos para contribuir com o acesso a uma segurança alimentar e nutricional adequada.

 

 

Considerações Finais

O desenvolvimento deste texto parte da perspectiva do projeto de extensão  “Diagnóstico da política de segurança alimentar e nutricional para o município de Campos dos Goytacazes (RJ) - décimo primeiro ano”, cujo objetivo é acompanhar e auxiliar na organização e estruturação do principal instrumento de participação social na construção da política pública em SAN, que é exatamente o conselho participativo, no caso, o COMSEA-Campos. Com efeito, tem-se trabalhado, ao longo do projeto, na formulação de estratégias e iniciativas para o município de Campos dos Goytacazes, no enfrentamento da insegurança alimentar e nutricional, e assim, ampliar a rede de soberania alimentar.

A própria compreensão da extensão, que refere-se a uma interação com o “mundo externo” à universidade, já confere à relação com o conselho um caráter de cooperação. Tanto que a universidade ocupa uma cadeira de representação da sociedade civil no COMSEA-Campos. Por meio da participação ativa do projeto no conselho, foi possível ao longo dos anos, colaborar com as eleições para a presidência do conselho, ajudar na mobilização de instituições da sociedade civil, organizar burocraticamente o conselho através de conferências estaduais e municipais, auxiliar na elaboração do Regimento Interno, elaborar diagnóstico sobre a SAN no município, além da elaboração do PLAMSAN.

Ainda nesta rota de colaboração com o conselho, o projeto vem encurtando os espaços e desatando alguns nós, no que se refere ao diálogo entre a sociedade civil e o poder público, promovendo assim estudos e diagnósticos que possibilitam ações que possam reduzir o nível de insegurança alimentar e nutricional no município. E, neste sentido, busca-se dar apoio à agricultura familiar e à pesca artesanal local, intensificando a participação dessas famílias em programas e editais de compra de alimentos. O projeto está presente nas reuniões do COMSEA-Campos e sua premissa é mantê-lo ativo e atuante, buscando solucionar problemas factíveis.

 

 

Referências

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[1] Projeto de extensão “Diagnóstico da política de segurança alimentar e nutricional para o município de Campos dos Goytacazes (RJ) - décimo primeiro ano” - PROEX - FAPERJ.