Contribuições de um Curso de Extensão para o estudo do impacto da Universidade na Sociedade

 

Aportes de un Curso de Extensión al estudio del impacto de la Universidad en la Sociedad

 

Contributions of an extension course to the study of the impact of public universities on society

 

 

·  Lucas Barroso Rego

Universidade Federal do Rio de Janeiro

lucas.barroso@ufrj.br

orcid.org/0000-0003-1853-3289 

 

·  Maria Magdala Vasconcelos de Araújo Silva

Universidade Federal do Rio de Janeiro

jobmag1994@gmail.com 

orcid.org/0000-0001-5535-9553

 

Sección: Enfoques

Recepción: 17/02/2023                 Aceptación final: 30/05/2023

 

Para citación de este artículo: Barroso Rego, L. y Vasconcelos de Araújo Silva, M. M. (2023). Contribuições de um Curso de Extensão para o estudo do impacto da Universidade na Sociedade. Revista Masquedós, 8(10), 1-16. https://doi.org/10.58313/masquedos.2023.v8.n10.208  

 

 

Resumo

O atual período pandêmico evidenciou a urgência do papel social das Universidades Públicas, representado pela Extensão, que se popularizou. O presente artigo tem como objetivo analisar e catalogar definições de alunos(as) sobre a Extensão Universitária, em contexto de realização de um curso remoto de extensão. Essa pesquisa foi constituída a partir de um estudo de caso, realizado com quarenta e quatro educandos que participaram desse curso, tendo a metodologia de análise do conteúdo como ferramenta analítica dos dados recolhidos. Os resultados mostraram a cacofonia social acerca da própria significação, do papel e da importância desse importante pilar do Tripé Universitário. Por meio dessa investigação, é possível compreender como a Extensão Universitária pode ser representada socialmente. A partir dessa compreensão, visa-se incentivar a promoção de interações verdadeiramente transformadoras entre a Sociedade e a Universidade.

Palavras-chave: Curso de Extensão; Ensino Superior; Educação a Distância; Sociedade.

 

Resumen

El actual período de pandemia ha puesto en evidencia la urgencia del rol social de las Universidades Públicas, representado por la Extensión, que se ha popularizado. Este artículo tiene como objetivo analizar y catalogar las definiciones de Extensión Universitaria de los estudiantes, en el contexto de la realización de un curso de extensión a distancia. Esta investigación se constituyó a partir de un estudio de caso, realizado con cuarenta y cuatro estudiantes que participaron de este curso, utilizando la metodología de análisis de contenido como herramienta de análisis de los datos recolectados. Los resultados mostraron la cacofonía social sobre el significado, rol e importancia de este importante pilar del Trípode Universitario. A través de esta investigación, es posible comprender cómo la Extensión Universitaria puede ser representada socialmente. A partir de este entendimiento, se pretende fomentar la promoción de interacciones verdaderamente transformadoras entre la Sociedad y la Universidad.

Palabras clave: Curso de Extensión; Educación Universitaria; Educación a Distancia; Sociedad.

 

Abstract

The current pandemic period has highlighted the urgency of the social role of public universities, represented by their extension programmes, which have become popular. The aim of this article is to analyze and catalog the students’ definitions of university extension, while carrying out a remote extension course. This research was constituted from a case study, carried out with forty-four students who participated in this course, using the content analysis methodology as an analytical tool for the collected data. The results showed the social cacophony about the meaning, role and importance of this important pillar of the university tripod. Through this case study, it is possible to understand how university extension can be socially represented. Based on this understanding, the aim is to encourage the promotion of truly transformative interactions between society and the university.

Keywords: Extension Course; University Education; Distance Education; Society.

 

 

Introdução

Com a suspensão das atividades presenciais nas instituições de ensino, visando conter a propagação do vírus causador da pandemia do novo coronavírus, as Universidades acabaram por obrigadas a propor planos emergenciais de enfrentamento à pandemia e de readequação das atividades presenciais à modalidade remota. Nesse contexto, o papel social da Universidade Pública foi evidenciado, seja na produção de vacinas ou no enfrentamento de problemas sociais que emergiram nesses novos tempos.

Com a intensificação da crise pandêmica, que afetou camadas mais pauperizadas de forma singular e mais agressiva (Oda & Leite, 2020), novas demandas e incógnitas foram postas no espaço público (Marques, 2020). É nesse contexto que a Extensão Universitária pôde ser reivindicada e colocada em ação como representante da dimensão social da própria universidade (Jezine, 2001), sendo capaz de promover interações entre a comunidade científica e a sociedade civil (Ministério da Educação, 2018) e de propiciar contribuições mútuas em tempos remotos de pandemia.

A atual reformulação sofrida pela Extensão Universitária, em virtude da virtualização emergencial da Educação (Rondini et al., 2020), suscita reflexões sociais em torno desse pilar do Tripé Universitário, formado por ensino, pesquisa e extensão. Assim, em virtude da superação de barreiras geográficas físicas, possibilitada pelo Ensino Remoto, antigas e novas significações sociais acerca da Extensão vêm à tona na arena pública.

Nesses novos tempos, para que os espaços universitários se proponham à democratização e à emancipação dos sujeitos (Santos, 2004), é preciso que escutem e reflitam sobre as significações sociais dadas à Extensão Universitária, em vista de poder ampliar e conectar práticas extensionistas às necessidades sociais representadas em suas próprias definições. Nessa direção, a urgência da clássica fundamentação teórica de Freire (1991; 2005; 2006; 2019b) é reafirmada.

O objetivo deste breve artigo, portanto, é, em vista do arcabouço teórico freiriano (Freire, 2006), analisar e catalogar algumas definições de alunos(as) externos à Universidade Pública acerca da Extensão Universitária, a partir do contexto de realização de um curso remoto de extensão intitulado “Qualificação para o Cuidado de Crianças e Adolescentes”.

A ação levanta a questão da extensão por meio da sua proposta de oferecer conhecimentos e habilidades relacionados ao cuidado de crianças e adolescentes para além do âmbito acadêmico. Ela busca estabelecer uma relação mais direta entre a instituição de ensino e a sociedade, levando o conhecimento produzido na academia para a comunidade e promovendo a troca de saberes.

A relação do curso com a extensão se dá por meio da sua proposta de qualificar os participantes para o cuidado de crianças e adolescentes, visando aprimorar as práticas e promover um maior engajamento com a comunidade. O curso abordou não apenas os aspectos teóricos relacionados ao cuidado, mas também as práticas concretas, as políticas públicas, as questões sociais e culturais, entre outros elementos que são importantes para uma formação completa nessa área.

Ao proporcionar esse tipo de qualificação, o curso remoto de extensão contribuiu para a disseminação do conhecimento e para o fortalecimento das relações entre a instituição de ensino e a sociedade. Além disso, incentivou os participantes a se tornarem agentes de transformação em suas comunidades, aplicando os conhecimentos adquiridos e promovendo um cuidado mais qualificado e inclusivo para crianças e adolescentes.

Em busca de analisar representações sociais em torno da Extensão Universitária, foi realizada, assim, uma investigação qualitativa (Aires, 2011), com método de estudo de caso (Yin, 2005). Para tratar e analisar os dados, foi utilizada a metodologia de análise de conteúdo (Bardin, 2011). O estudo contou com a participação de 58 alunos que responderam, anonimamente, a um questionário semiestruturado sob a forma de um formulário on-line.

 

 

Definições sobre extensão

De acordo com Mirra (2009), as primeiras ações de Extensão Universitária no território europeu teriam acontecido ao final do século XIX, na Inglaterra, quando a Universidade de Cambridge, no ano de 1871, desenvolveu um programa de “cursos de extensão” voltado para diferentes segmentos da sociedade. Os cursos ofertados foram de Literatura, Ciências Físicas e Economia Política.

A ação logo se popularizaria no contexto inglês, sendo adotada, de forma quase concomitante, pela Universidade de Oxford, ainda no século XIX. Iniciada na Inglaterra, a Extensão foi transportada para Bélgica, Alemanha e, em pouco tempo, para o restante do continente europeu.

Após isso, por volta do final do século XIX, navegaria ainda pelo Oceano Atlântico Norte e aportaria nos Estados Unidos, onde fixaria sede na “American Society for the Extension of University Teaching”, organização civil voltada para fomentar atividades de extensão na Universidade de Chicago, em 1892, e posteriormente, na Universidade de Wisconsin, em 1903 (De Paula, 2013).

Depois de sua chegada à América, ao longo dos anos até o século XXI, a Extensão Universitária recebeu diversos sentidos e significações. Em consonância com Freire (2006), Rocha (2001) e Serrano (2013), a partir de uma análise histórica e cronológica, destacamos a presença de quatro matizes conceituais, que, até hoje, impactam as formas sociais de representação do conceito de Extensão Universitária.

De forma crescente, são elas: a 1ª) “extensão de serviços”, a partir de uma transmissão verticalizada do conhecimento universitário, experienciada por meio de cursos de curta duração, por exemplo; a 2ª) “extensão voluntarista”, com atuação meramente assistencialista e filantrópica; a 3ª) “extensão sociocomunitária institucional”, a partir de sua institucionalização centrada em um caráter de redenção da ignorância; e a 4ª) “extensão acadêmica institucional”, instrumentalizada por meio do diálogo, da democracia, do reconhecimento do outro e da construção conjunta de saberes (Freire, 2006; Rocha, 2001; Serrano, 2013).

A trajetória histórica da Extensão Universitária é marcada por evoluções e mudanças conceituais. Atualmente, no Brasil, partindo da sua indissociabilidade com o ensino e a pesquisa, o Ministério da Educação institui a sua definição como:

[...] a atividade que se integra à matriz curricular e à organização da pesquisa, constituindo-se em processo interdisciplinar, político educacional, cultural, científico, tecnológico, que promove a interação transformadora entre as instituições de ensino superior e os outros setores da sociedade, por meio da produção e da aplicação do conhecimento, em articulação permanente com o ensino e a pesquisa (Ministério da Educação, 2018).

 

Um dos pilares dessa atual Extensão Universitária, preconizada no contexto brasileiro e inserida no quarto matiz conceitual de Rocha (2001), isto é, a “extensão acadêmico institucional”, é a valorização dos saberes tanto universitários quanto populares, enquanto conhecimentos igualmente importantes e relevantes socialmente (Freire, 2019b). Assim, por meio disso, há a possibilidade de uma formação genuína, conjunta e impactante em ambos, a partir da vivência dos conceitos dialogistas, concretude e reconhecimento mútuos (Freire, 1991; 2005; 2006; 2019b).

Essa conceituação se conecta com o arcabouço teórico de Santos (2004), que afirma que a trajetória assumida pelo espaço universitário deve ser dirigida para a democratização e a emancipação dos espaços e sujeitos sociais. Dessa forma, a Extensão Universitária, enquanto representação da dimensão social da própria Universidade (Jezine, 2001), teria o objetivo de fomentar e estabelecer uma relação efetiva entre centros universitários e comunidade externa, a partir de contribuições mútuas entre cidadãos e acadêmicos (Rocha, 2007).

Dessa forma, a partir dessa interação social entre Sociedade e Universidade, intermediada pela Extensão, seria possível vislumbrar uma importante intervenção em problemas sociais que marcam a história do Brasil. Nessa relação, cita-se, por exemplo, a diminuição de desigualdades sociais, o combate à exclusão, o aumento da participação popular em decisões políticas e o incentivo a uma formação cidadã e profissional engajada socialmente (Divino et al., 2013).

 

 

Metodologia de pesquisa

A pesquisa proposta neste artigo está baseada em uma abordagem qualitativa (Aires, 2011), assentada em um estudo de caso (Yin, 2005), em virtude do objetivo de examinar e categorizar definições de alunos(as) acerca do conceito de Extensão Universitária, por meio da proposição de um formulário semiestruturado a partir de um formulário anônimo e virtual.

Para tratar e analisar os dados obtidos, foi utilizada a metodologia de análise de conteúdo (Bardin, 2011), em que recorreram cinco principais unidades de registros, contribuindo para classificar os dados e colaborando para a percepção das significações em torno dos matizes conceituais mobilizados por Freire (2006), Rocha (2001) e Serrano (2013).

 

Contexto da pesquisa

A presente investigação se deu no âmbito de realização remota de um curso de qualificação, oferecido por um projeto de extensão, vinculado a uma das unidades de uma universidade federal localizada na cidade do Rio de Janeiro. Nesse contexto, a partir da recolha de impressões acerca da ação, foram analisadas narrativas de alunos inscritos e ouvintes acerca de suas próprias definições de Extensão Universitária, pilar indissociável do Tripé Universitário.

Ocorrida entre 24 de abril e 04 de dezembro de 2021, o curso, intitulado “Qualificação para o Cuidado de Crianças e Adolescentes”, foi ofertado, de forma remota, pelo projeto de extensão “Centro de Cidadania da Praia Vermelha”, vinculado à Escola de Serviço Social (ESS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A ação de extensão estava inserida no contexto de virtualização emergencial da Educação (Rondini & Pedro & Duarte, 2020), em decorrência do aparecimento pandêmico do novo coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2 (SARS-CoV-2), responsável pela enfermidade da COVID-19.

Nesse contexto, o curso foi implementado no sentido de, a partir do pressuposto dialógico de educação popular de Freire (1991; 2005; 2006; 2019b), qualificar e sensibilizar sujeitos sociais na arte do cuidado com foco na saúde da população infantojuvenil ao longo de seu ciclo vital.

Ao longo de suas vinte e nove sessões sincrônicas, o curso de qualificação foi coordenado por duas docentes da Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ), sendo uma já aposentada e outra ainda do quadro ativo da unidade. Além disso, também contou com o apoio pedagógico e técnico de dois monitores, a saber, um graduando em História e uma assistente social.

Prescindindo as três primeiras sessões remotas, cada aula contou com a presença de um professor convidado, sendo este especializado na temática abordada, seja por meio de suas pesquisas e/ou de suas atuações profissionais. Contando com as coordenadoras e os monitores, a ação foi instrumentalizada por meio da atuação voluntária de 17 profissionais, dentre graduandos e doutores.

Cada aula, com um intervalo intercalado de uma hora, foi dividida em duas sessões síncronas, às vezes com temáticas complementares, às vezes com temas diferentes, sendo: a 1ª) uma aula de caráter teórica sobre um assunto determinado previamente na ementa, ocorrendo pela manhã, de 9h às 12h; e a 2ª) um debate crítico e colaborativo sobre a teoria e os conceitos abordados anteriormente e/ou sobre materiais complementares disponibilizados antecipadamente, como textos, filmes e vídeos, acontecendo no turno vespertino, a partir das 13h até às 16h.

Ao longo do curso, o tópico de extensão foi trabalhado em diversas aulas. O seu conceito e a sua aplicação foram vistos por meio de fundamentação teórica, estudos de caso, desenvolvimento de projetos, reflexão crítica e integração com pesquisa e ensino. Essa abordagem ofereceu aos participantes uma compreensão mais abrangente da extensão universitária, permitindo que eles se envolvam futuramente em atividades práticas, reflitam sobre as implicações éticas e políticas, e apliquem os conhecimentos adquiridos para promover o desenvolvimento social em suas comunidades.

 

Sobre os participantes

A ação teve um enfoque prioritário à população residente de Nova Iguaçu, município periférico do estado do Rio de Janeiro, marcado pela recente intensificação de violências urbanas e pela baixa atuação do Estado (Freire, 2019a). Superando as expectativas previstas inicialmente, o curso de extensão recebeu mais de 280 inscrições de todas as regiões do território nacional. A ação recebeu inscrição da comunidade fora dos centros acadêmicos.

Dos 280 interessados prévios, 50 deles foram chamados diretamente para a primeira lista do curso. O restante compôs uma lista de espera, que foi usada para suprir as vagas abertas por desistências. Para a primeira triagem, foram utilizados os seguintes critérios de seleção: ser, prioritariamente, residente de Nova Iguaçu (RJ) e não estar inserido no mercado de trabalho formal. Já para a chamada da lista de espera, foi adotado o critério de ordem de inscrição, o que fez com que fosse possível a entrada de participantes de outros estados.

Ao todo, após duas listas de espera, o corpo discente selecionado foi composto por 75 estudantes e/ou profissionais, que, assistiram, a, pelo menos, uma sessão síncrona. Em relação ao primeiro grupo, notou-se a presença de graduandos e pós-graduandos dos cursos de Psicologia, Serviço Social e das Licenciaturas em História e Geografia. Já em relação ao segundo, também foi notado a assiduidade de participantes que atuam e/ou já atuaram como cuidadores, conselheiros tutelares e assistentes sociais, sejam eles voluntários, empregados (nas políticas sociais públicas ou privadas) ou autônomos.

Quanto a informações sociodemográficas, 93,1% dos educandos foi composto por mulheres, entre 20 e 62 anos de idade. Além disso, 79,3% do corpo discente foi formado por pessoas que já concluíram os seus estudos básicos, sendo 25,9% com apenas o Ensino Médio concluído e 67,2% com, pelo menos, uma etapa completa do Ensino Superior, entre graduação, especialização ou mestrado. Mesmo com uma formação superior, esses participantes não possuíam carreira e vínculo acadêmico.

A sobrepujança de mulheres envolvidas nesse curso de qualificação aconteceu por conta própria, sem a intervenção da coordenação, mas possui uma possível explicação: a sociedade ainda atribui, de forma generalizada, a responsabilidade do cuidado das crianças às mulheres, reforçando estereótipos de gênero arraigados. Apesar dos avanços na equidade de gênero, essa desigualdade persiste e afeta a representatividade e as oportunidades de emprego para homens interessados em trabalhar nesse campo.

Contando as duas listas de espera, 75 participantes assistiram a, pelo menos, uma sessão síncrona. Desse número total, 58 deles chegaram até o final e foram concluintes do curso. Dos selecionados após duas listas de espera, 17 participantes desistiram do projeto, alegando incompatibilidade de dia e horário com as atividades previstas.

A partir do corpo discente, a presente pesquisa contou com a participação de todos os concluintes do curso. Isto é, 58 alunos(as) (designados, neste trabalho, por Ai, com i = 1 ,…, 58), que preencheram um formulário de satisfação do curso acerca de suas percepções em torno da ação relatada e de suas próprias significações acerca do conceito de Extensão Universitária.

 

 

Resultados

Os resultados da presente pesquisa foram obtidos a partir das respostas de um formulário de satisfação do curso, no qual era etapa obrigatória para a emissão do certificado de conclusão. Os respondentes foram submetidos a um questionário semiestruturado, que os fizeram refletir sobre suas experiências no curso e sobre o papel da Universidade a partir da Extensão Universitária. As ações tomadas frente a essas respostas foram de análise de conteúdo, a luz de Bardin (2011).

Dos 58 alunos(as) concluintes que preenchem o formulário de avaliação do curso, 74,1% afirmaram saber o que seria a Extensão Universitária, enquanto os outros 25,9% não[1]. Ainda nessa questão, se prescindindo a ação relatada neste artigo, o segundo dado ainda aumentaria, uma vez que 44,8% afirmaram que, antes da realização do curso, não sabiam o que era uma ação de Extensão Universitária.

Após a recolha desses dados fundamentais, a outra etapa do formulário foi colher definições escritas e, assim, 44 educandos expuseram, de forma opcional e anônima, as suas próprias significações acerca desse pilar do Tripé Universitário. As duas perguntas do formulário que nortearam as respostas expressas a seguir foram: “Você sabe o que é Extensão Universitária?”; “Se sim, o que seria, para você?”.

Essas perguntas contidas formulário de avaliação do curso foram respondidas ao final da ação de extensão. Para não influenciar as respostas dos concluintes, não houve nenhum debate crítico sobre a extensão presente no questionário semiestruturado, somente as perguntas e os espaços em branco para as respostas. Todavia, vale destacar que, ao longo do curso, o tópico de extensão foi trabalhado em diversas aulas.

Ao fazer a análise das narrativas dos alunos do curso de extensão (Bardin, 2011), verificamos a recorrência das seguintes unidades de análise: meio universitário, conhecimento científico, senso de comunidade, aperfeiçoamento profissional, continuidade, vínculos sociais. As categorias de análise que se manifestaram, portanto, foram: Universidade, Conhecimento(s), Comunidade, Curso(s), Complemento, Sociedade, que estão definidas a seguir:

     Universidade: Esta categoria se refere às respostas que vincularam a Extensão a um protagonismo universitário;

     Conhecimento(s): Seja no singular ou no plural, esta categoria se relaciona às respostas que atrelaram a Extensão a uma ideia concebida de saber, seja em uma via de diálogo entre os sujeitos ou não.

     Comunidade: Esta categoria contém narrativas relacionadas à ideia de comunidade como público-alvo de ações de extensão, sobretudo a partir de uma noção de passividade.

     Curso(s): Esta categoria se refere à ideia de extensão universitária como meramente um curso de aperfeiçoamento profissional.

     Complemento: Esta categoria se refere às respostas que relacionaram a Extensão como um suplemento de aperfeiçoamento de conhecimentos tidos previamente, sejam eles adquiridos nos espaços populares ou acadêmicos.

     Sociedade: Esta categoria vincula a extensão ao diálogo, ao contato e à interseção entre a Universidade e a Sociedade.

 

A partir da análise das narrativas dos inscritos e ouvintes do curso acerca de suas definições de Extensão Universitária, neste momento da pesquisa, verificou-se a frequência de unidades de análise similares nas essências de suas respostas, tais como: Universidade, com 20% de recorrência; Conhecimento(s), com 8%; Comunidade, com 9%; Curso(s), com 11%; Complemento, com 20%; e Sociedade, com 15%. O restante das respostas não se enquadrou em nenhuma dessas categorias e foram condensadas, a posteriori, em “Outras Definições”.

Visando exemplificar as unidades temáticas supramencionadas, destacamos, na Tabela 1, algumas narrativas dos alunos.

 

Tabela 1 - Narrativas dos alunos acerca de suas definições de Extensão Universitária.

O que seria a extensão universitária para você?

UNIVERSIDADE

A3: “Aprendizado que irá complementar o que foi aprendido na Universidade.”

A13: “A Universidade saindo de si e impactando a sociedade.”

A37: “É levar a Universidade além dos seus muros, é articular os diversos saberes a fim de agir em busca de uma transformação.”

A40: “Momento em que o curso extrapola os muros acadêmicos da Universidade, integrando ensino, pesquisa e extensão.”

A16: “A Extensão Universitária é a ação da Universidade, compartilhar o conhecimento adquirido pelo ensino e da pesquisa desenvolvidos na instituição.”

A19: “É uma forma da universidade atingir a comunidade externa.”

A33: “Compartilhar conhecimento adquirido com a comunidade.”

A34: “Ação entre a Universidade e a comunidade, por meio de ensino e pesquisa.”

A41: “Projetos da universidade de conhecimento e de intervenção na comunidade.”

CONHECIMENTO(S)

A6: “São conhecimentos acadêmicos extras e enriquecedores, que ocorrem durante e pós formação.”

A8: “É o compartilhamento do conhecimento adquirido por meio de pesquisas nas instituições.”

A42: “Troca de conhecimento [...].”

COMUNIDADE

A1: “Compartilhar saber fora do ambiente acadêmico, para a comunidade.”

A2: “É a ação da universidade junto com a comunidade [...].”

A43: “Extensão é a universidade sair das suas próprias paredes e estar a serviço diretamente da comunidade fora do ambiente acadêmico [...].”

A25: “Ampliar conhecimento e talvez um projeto na instituição.”

CURSO(S)

A7: “A universidade proporcionar cursos para comunidade escolar e população em geral.”

A21/A30: “Cursos extracurriculares.”

A24: “Algo que se estende a um curso acadêmico, uma atualização.”

A35: “São cursos complementares ao currículo da faculdade.”

COMPLEMENTO

A4: “O curso de extensão permite que o aluno aprenda sobre um determinado [tema] abordado na unidade que não estava na grande curricular.”

A11: “A oportunidade de aprender ou se aprofundar em temas, que foram pouco ou não foram abordados durante a graduação.”

A12: “Aperfeiçoamento dentro de um tema que não foi abordado com ênfase durante a graduação. Uma atividade complementar.”

A15: “Agora eu sei que é uma continuação do aprendizado.”

A18: “Uma continuidade aos estudos.”

A20: “São cursos além do que é ensinado na Universidade, assuntos complementares.”

A23: “Especialização.”

A27: “Continuação do conteúdo.”

A29: “Um complemento dos estudos acadêmicos.”

SOCIEDADE

A5: “É a troca de saberes da universidade para a sociedade.”

A9: “Troca de saberes científicos e espontâneos.”

A10: “Comunicação entre universidade e sociedade, que tem como objetivo promover a troca de conhecimentos científicos e conhecimentos práticos.”

A14: “A troca de experiências entre a comunidade científica, representada por suas instituições, e a sociedade.”

A36: “É uma troca de saberes entre a universidade e a sociedade.”

A44: “Uma forma de devolver à sociedade aquilo que é produzido no espaço acadêmico, que é um local de acesso ainda privilegiado para maior parte da população.”

A17: “Seria um diálogo da instituição e a comunidade, sociedade com o intuito de alcançar a outros, com conhecimento.”

Fonte: Acervo dos autores.

 

Algumas outras narrativas não descritas na Tabela 1 acabaram sendo interseções diretas ou indiretas entre duas ou mais unidades de análise exemplificadas acima, como acontece, por exemplo, com a definição apresentada por A39, que, em sua resposta, condensa Conhecimento, Comunidade, Curso(s), Sociedade e um correlato de Universidade (isto é, Academia): “os cursos de extensão universitária são a possibilidade de a academia devolver para a sociedade o conhecimento produzido na instituição relacionado aos campos de pesquisa e que será de grande impacto para comunidade, visando oferecer uma qualificação para o enfrentamento das questões no cotidiano das pessoas, uma integração de saberes, que resulta no benefício de todos”.

Na Tabela 2, a seguir, condensamos todas essas outras definições, que, em nossa visão, não tinham seu escopo atrelado diretamente às categorias de análise supramencionadas, sejam porque, são interseções dos conceitos ou, porque, de forma individual demandam categorias unitárias. As justificativas para a inclusão das narrativas a seguir em “Outras Definições” constam em colchetes ao lado das definições.

 

Tabela 2 - Narrativas dos alunos acerca de suas definições de Extensão Universitária.

OUTRAS DEFINIÇÕES

A22: “É melhorar as habilidades pessoais e técnicas para o trabalho, estar ‘antenado’ com a atualidade e motivação.” [Categoria única: Profissionalização]

A26: “Extensão universitária é sair da sala de aula, sair da teoria para de fato entender a realidade na sua concretude, olhar o mundo de forma que dê para enxergar sua totalidade.” [Categoria única: Relação entre teoria e prática]

A31: “A partilha de conhecimentos resultantes de pesquisas sendo aplicado no ensino à sociedade.” [Interseção entre “Conhecimentos” e “Sociedade”]

A32: “Extensão de comunicação e pesquisa.” [Categoria única: Comunicação]

A39: “os cursos de extensão universitária são a possibilidade de a academia devolver para a sociedade o conhecimento produzido na instituição relacionado aos campos de pesquisa e que será de grande impacto para comunidade, visando oferecer uma qualificação para o enfrentamento das questões no cotidiano das pessoas, uma integração de saberes, que resulta no benefício de todos.” [Interseção entre “Conhecimento”, “Comunidade”, “Curso(s)”, “Sociedade” e “Universidade”]

Fonte: Acervo dos autores.

 

 

Análise e discussão dos dados

As seis principais unidades de análise serão ferramentas importantes para analisarmos como a Extensão Universitária é experimentada e representada por diferentes alunos de um mesmo curso de extensão. Por meio delas, mas não só, será possível pensar em catalogações e classificações em torno dos matizes conceituais de Freire (2006), Rocha (2001) e Serrano (2013), em vista de poder compreender demandas sociais que, de forma implícita ou explícita, emergem deles.

As definições que relacionam a prática extensionista à elaboração de apenas “cursos extracurriculares” (A21 e A30) e de curta duração ofertados pelas universidades, catalogado em torno das unidades “curso(s)” e “complemento”, estão relacionados aos conceitos comum e antigo de Extensão Universitária, datado de desde o final do século XIX e que está relacionado à criação de apenas programas formais de “cursos de extensão” (Mirra, 2009).

Além de A21 e A30, outros(as) alunos(as) da ação também expuseram suas significações a partir dessa noção, como, por exemplo, A4, A7, A20, A23, A24, A35, A39, A42 e A43 (Tabelas 2 e 3). Quase um terço do corpo discente da ação de extensão relatada possui essa interpretação de Extensão Universitária (Serrano, 2013), que seria de apenas “[...] proporcionar cursos para comunidade escolar e população em geral” (A7), estando, assim “[...] a serviço diretamente da comunidade fora do ambiente acadêmico [...]” (A43).

A partir desses dois exemplos, é possível notar que há similaridades e continuidades entre essas definições e o primeiro matiz conceitual de práticas extensionistas de Freire (2006). Chamada de “extensão dos serviços”, essa conceituação pioneira, marcada pela transmissão vertical do conhecimento universitário, acabou sendo caracterizada por não ter diálogo, efêmera e sem contato com a realidade social dos indivíduos sociais (Freire, 2006; Serrano, 2013).

Ainda inserido nesse matiz conceitual, a significação apresentada por A22 também merece destaque. Ao afirmar que o objetivo das práticas extensionistas seria “[...] melhorar as habilidades pessoais e técnicas para o trabalho [...]” (A22), o aluno parte de uma interpretação de relacionar a Extensão a um serviço meramente técnico – e, se guiado para o trabalho, voltado aos grandes interesses do capital –, o que, inevitavelmente acaba gerando um conhecimento pouco transformador da realidade concreta dos indivíduos sociais (Serrano, 2013), posto que seria apenas a vinculação verticalizada de um “serviço” (Freire, 2006; Serrano, 2013).

Ademais, outra definição nos chamou a atenção: aquela apresentada por A39, que definiu a Extensão Universitária como uma “[...] a possibilidade de a academia de devolver para a sociedade o conhecimento produzido na instituição [...]”. Essa interpretação é semelhante às de A1, A8, A11, A16, A19, A25, A33, A41 e A44, por exemplo.

Tomando como base apenas essas 10 significações, que podem ser vistas como resultados de uma histórica interpretação elitista acerca do próprio espaço universitário, é possível traçar algumas classificações. Em primeiro lugar, é imprescindível afirmar que essa visão negligencia o saber comum e a cultura popular e, por sua vez, apresenta a Universidade como a detentora superior e absoluta da sapiência, sendo ela a redentora da obscuridade e da ignorância, em detrimento de saberes populares (Freire, 2006).

Partindo dessa interpretação, o conhecimento, que seria oriundo de ações de Extensão, não seria construído de forma conjunta, coletiva e dialógica com outros setores da sociedade, mas sim transmitido de forma pontual, autoritária e verticalizada (Freire, 2006; Serrano, 2013). Isso fica evidente na adoção do verbo “devolver” por A44: “uma forma de devolver à sociedade aquilo que é produzido no espaço acadêmico [...]”.

Por conta disso, é válido relacionar essas 10 definições, de A1, A8, A11, A16, A19, A22, A25, A33, A41 e A44, com o segundo e o terceiro matizes conceituais da Extensão, isto é, a “voluntarista” e a “sociocomunitária institucional” (Freire, 2006; Serrano, 2013). Em outras palavras, são práticas que, inseridas em um contexto de mero assistencialismo e até filantropismo, negligenciam o princípio constitucional de colaboração mútua e o caráter social de efetivação legal de direitos presentes na essência extensionista.

Essa relação entre os dois conceitos de Freire (2006) e as definições supramencionadas retira todo o protagonismo da sociedade em si e, mais uma vez, contribui para reforçar a ideia de transmissão verticalizada e superior do conhecimento oriundo da Extensão Universitária (Freire, 2006), em detrimento dos saberes populares. Por meio disso, não haveria uma contribuição mútua entre universidade e comunidade, como é preconizado por Rocha (2007).

Como exemplificação, ainda nessa questão, palavras e expressões como “complementar” (A3 e A12), “para a sociedade” (A5), “compartilhar” (A16), “oportunidade” (A11), “partilha” (A31), “intervenção” (A41) e “devolver” (A44) reforçam essa interpretação privilegiada do conhecimento universitário. Por isso, podem ser classificadas como resultantes do segundo e terceiro matizes de Freire (2006).

Por fim, concebemos as definições de A2, A9, A10, A14, A17, A26, A34, A36, A37 e A40. Em todas elas, é possível perceber princípios de colaboração, democracia e emancipação, como é esperado por Santos (2004) e Rocha (2007) para o espaço universitário. Por conta disso, elas se relacionam ao quarto matiz conceitual, isto é, a “extensão acadêmica institucional” (Rocha, 2001; Freire, 2006)

Essa correlação se exemplifica na significação atribuída por A37, quando afirma que o objetivo da Extensão Universitária é “[...] articular os diversos saberes a fim de agir em busca de uma transformação”. Além de se aproximar do referencial teórico de Santos (2004) e Rocha (2007), ao reivindicar uma “transformação” social, A37 ainda se associa à definição legal emitida pelo Ministério da Educação (2018).

Esse último matiz de Rocha (2001) e Freire (2006) ainda está evidenciado na fala de A36, que define a Extensão Universitária como “[...] uma troca de saberes entre a universidade e a sociedade”. Invés de A5 que afirma que seria uma troca de conhecimento da universidade para a comunidade, A36 estabelece um ponto de ancoragem entre elas, o que promove o diálogo.

De forma sintética, as relações supracitadas entre as definições expostas pelos(as) alunos(as) e os matizes conceituais da Extensão Universitária (Freire, 2006; Rocha, 2001; Serrano, 2013), estando acompanhados de um percentual de suas utilizações nas significações, estão expostas, a seguir, na Tabela 3.

 

Tabela 3 – Relação entre as definições e os matizes conceituais.

MATIZ CONCEITUAL

DEFINIÇÕES

PORCENTAGEM

Extensão de serviços

A4, A7, A20, A21, A22, A23, A24, A30, A32, A35, A39, A42 e A43

31%

Extensão voluntarista

A1, A3, A5, A6, A8, A11, A12, A13, A15, A16, A18, A19, A25, A27, A29, A31, A33, A41 e A44

45%

Extensão sociocomunitária institucional

Extensão acadêmica institucional

A2, A9, A10, A14, A17, A26, A34, A36, A37, A40

24%

Fonte: Acervo dos autores.

 

A partir da Tabela 3, é possível perceber uma predominância dos três primeiros matizes conceituais da Extensão Universitária (Freire, 2006; Serrano, 2013), presentes em 76% das narrativas dos(as) alunos(as), em detrimento do quarto conceito (Rocha, 2001), que, de fato, rege a atual definição institucional de uma prática extensionista (Ministério da Educação, 2018).

 

 

Considerações finais

Com a virtualização da Educação, em decorrência do confinamento oriundo de políticas de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, o Ensino passou por reformulações. As Universidades Públicas tiveram seus papéis sociais reivindicados pela sociedade civil. Nessa direção, a Extensão Universitária, em sua dimensão social, foi posta como saída estratégica aos isolamentos inerentes ao período e à crise instaurada.

Entretanto, mesmo com a chance de popularização de ações extensionistas, em virtude do Ensino Remoto, é sintomático a cacofonia social acerca da própria definição, do papel e da importância desse importante pilar do Tripé Universitário. A partir da recolha de impressões de alunos(as) do curso remoto de extensão “Qualificação para o Cuidado de Crianças e Adolescentes” sobre a Extensão é possível traçar considerações sobre a sua representação social.

É importante relembrar que, mesmo com o impacto gerado pela ação de extensão relatada neste artigo, 25,9% dos(as) alunos(as) do curso afirmaram ainda não saber definir o que seria a Extensão Universitária. E os que afirmaram saber apresentaram diversas definições, variando desde uma conceituação de extensão de serviços até uma extensão acadêmica institucional, de acordo com o arcabouço teórico freiriano.

Dentre os discentes que apresentaram suas conceituações, percebeu-se apenas a presença de, aproximadamente, 24% de definições que iam ao encontro à definição oficial apresentada pelo Ministério da Educação, que valoriza as contribuições mútuas entres comunidades universitárias e civis. Em outras palavras, apenas 10 alunos, do total de 44, conceituaram a Extensão Universitária a partir de princípios dialógicos, compreensivos, abertos e colaborativos, isto é, o que, de fato, norteia (ou deveria nortear) uma prática extensionista.

Não poderíamos deixar de levar em consideração que o público majoritário do curso foi composto por moradores de Nova Iguaçu, município do estado do Rio de Janeiro (RJ) afetado pelo aumento da violência urbana e pela omissão estatal. Partindo dos resultados que deveriam ser vislumbrados pela Extensão, como o combate à exclusão e a inserção de marginalizados no debate público, por exemplo, percebe-se que, pelo relato de estudantes, há ainda um baixo impacto concreto de ações de Extensão Universitário na periferia do Rio de Janeiro, representada pela realidade iguaçuana.

Ao colhermos 32 relatos escritos que, inseridos nos três primeiros matizes conceituais da Extensão Universitária, atribuem um papel assistencialista e redentor às práticas extensionistas, percebe-se que os próprios alunos(as) retiraram sua autonomia e seu papel de protagonismo, colocando-o somente na própria Universidade. Nesse sentido, o princípio de contribuições mútuas, próprio da Extensão, é invisibilizado e perde sentido.

Essas atitudes atestam uma falha da própria Extensão Universitária em ainda não ser abrangente e não estar integrada à comunidade externa de forma esperada. Nesse sentido, representações sociais ainda têm posto o conhecimento universitário em um lugar privilegiado em detrimento dos saberes comuns e isso tem inviabilizado uma articulação entre conhecimentos científicos e populares, o que os afasta vertiginosamente.

Somente com a concretização total da definição teórica de Extensão apresentada pelo Ministério da Educação, inserido no quarto matiz conceitual, é possível promover interações verdadeiramente transformadoras entre a Sociedade e a Universidade. O primeiro passo para essa mudança é o incentivo institucional, discente e docente à Extensão Universitária, para além da mera obrigatoriedade do cumprimento de suas horas.

É fundamental refletirmos sobre o papel dos universitários em ampliar a extensão para além dos muros da universidade. Como um dos agentes de transformação social, os extensionistas possuem o potencial de impactar positivamente a comunidade ao seu redor. Nesse sentido, é importante que os universitários se engajem em iniciativas de extensão que promovam o diálogo com a sociedade, fomentando a troca de conhecimentos e experiências.

Vale reforçar que, dos 58 alunos(as) concluintes que preenchem o formulário de avaliação do curso, 74,1% afirmaram saber o que seria a Extensão Universitária, enquanto os outros 25,9% não. Se prescindindo a ação relatada, o segundo dado aumentaria, uma vez que 44,8% afirmaram que, antes da realização do curso, não sabiam o que era uma ação de Extensão Universitária.

Nesse cenário, é crucial, enquanto extensionistas, buscarmos parcerias com instituições e organizações locais, de forma a estabelecer um vínculo sólido e de mão dupla com a comunidade, a fim de ampliarmos o papel da Extensão. Isso pode ser feito por meio de projetos de pesquisa e ações práticas que atendam às demandas sociais e contribuam para a solução de problemas enfrentados pela população, a partir do diálogo e da troca.

Como extensionistas, temos o poder de mudar concepções errôneas em torno da Extensão Universitária por meio de ações concretas e da divulgação de nossas experiências. Ao participarmos de projetos de extensão, podemos demonstrar o impacto positivo que essas atividades têm na comunidade e como elas promovem a troca de conhecimentos e a transformação social.

Para abordar a integralidade com universitários, devemos ser sensíveis à preconcepção social da extensão e buscar estratégias de comunicação que enfatizem seus benefícios, destacando como a extensão vai além do ensino e da pesquisa, envolvendo ações práticas e engajamento com a comunidade, contribuindo para o desenvolvimento humano e social de todos os envolvidos.

Dessa forma, a comunidade universitária tem o papel de, a partir do diálogo, desempenhar um papel ativo e compartilhado na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, incentivando a troca de experiências entre os conhecimentos populares e os valores na academia para além dos muros universitários, promovendo, assim, uma real transformação social.

 

 

Referências

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[1] Visando diminuir o desconhecimento em torno da Extensão Universitária, algumas estratégias foram adotadas, a posteriori, pela coordenação do curso. Uma delas foi reformular o conteúdo programático da próxima edição do curso, a fim de incluir mais discussões e debates sobre a temática. Outra foi socializar as respostas anônimas dos concluintes com os órgãos competentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o intuito de promover ações institucionais de integração entre a academia e a sociedade, levando o conhecimento produzido para além dos muros da instituição.