Protagonismo estudantil e curricularizacao da extensão: quando os estudantes movem estruturas

Student protagonism and extension curricularization: when students move structures

Autores: Henrique França Duara, Maria Luísa Nolasco Dal Molim, Monique Scheibe, Universidade de Passo Fundo, Brasil

Para citación de este artículo: Duara, H. F.; Nolasco Dal Molim, M.L.; Scheibe, M.; (2021). Protagonismo estudantil e curricularizacao da extensão: quando os estudantes movem estruturas. En Revista Masquedós N° 7, Año 7. Secretaría de Extensión UNICEN. Tandil, Argentina.

Recepción: 25/10/2021 Aceptación final: 20/04/2022

Resumo

O trabalho é um ensaio crítico construído sobre uma experiência extensionista que tomou parte a partir de uma disciplina curricular teórico-prática do curso de psicologia que exige a elaboração de um processo de orientação profissional. Por meio do desejo e da iniciativa dos estudantes envolvidos, produziu-se um movimento possível de curricularização da extensão, na medida em que se adotaram os conceitos que orientam a extensão crítica para a sua realização. As reflexões expostas no artigo são fruto de um trabalho de debate e construção coletiva de conhecimento entre os estudantes e os participantes da referida atividade, sustentados por um forte senso de autonomia e protagonismo estudantil. O debate envolve questões como a necessidade da democratização da experiência acadêmica integral, conceitos freireanos fundamentais e a extensão como caminho para o processo de decolonização do conhecimento universitário.

Palavras chave: Curricularização; Extensão Crítica; Orientação Profissional; Protagonismo Estudantil

Abstract

This artical is a critical essay built on an extension experience that took part from a theoretical-practical curricular subject of the Psychology course, that requires the elaboration of a process of professional guidance. Through the desire and initiative of the students involved, a possible movement towards the curricularisation of the extension was produced, as the concepts that guide the critical extension for its realization were adopted. The reflections exposed in the article are the result of a work of debate and collective construction of knowledge between students and participants in the aforementioned activity, supported by a strong sense of autonomy and student protagonism. The debate involves issues such as the need for the democratization of the integral academic experience, fundamental Freirean concepts and extension as a path for the process of decolonization of university knowledge.

Key words: Career Guidance; Critic Extension; Curriculum Extension; Student Protagonism.

Introdução

Esse escrito é um ensaio crítico construído sobre uma experiência extensionista que tomou parte a partir de uma disciplina curricular teórico-prática do curso de Psicologia que exige a elaboração de um processo de orientação profissional. Expomos a seguir a orientação metodológica adotada e as reflexões que são fruto desse processo, que tomou parte entre o dia treze de maio de 2021 e o dia vinte e quatro de junho do mesmo ano, sob a orientação das professoras Clenir Maria Moretto (Observatório da Juventude, Educação e Sociedade UPF - Cátedra/UNESCO-UCB) e Lívia Garcez (curso de Psicologia UPF).

Envolveu, em sua elaboração, três acadêmicos deste curso (sendo que dois deles são bolsistas de extensão do referido projeto) e seis participantes, sendo eles cinco estudantes de escolas públicas de Passo Fundo e um com formação superior. Os encontros de orientação profissional aconteceram presencialmente, respeitando os protocolos de segurança sanitária exigidos pela pandemia e contaram com dinâmicas de grupo e testagem psicológica individual.

Desenvolvimento

Iniciamos esse relato falando sobre a posição que nós, estudantes extensionistas do Observatório da Juventude, Educação e Sociedade (Cátedra/UNESCO - UCB) decidimos diariamente ocupar frente às demandas da prática no território e administrativas no nosso projeto. Carregando conosco as experiências de nossas trajetórias particulares, manifestamos a profunda identificação com um projeto de universidade que favoreça o desenvolvimento comunitário na sua forma mais libertadora e que, necessariamente, faça dela um espaço de formação não somente técnica, mas também política, cidadã, humana e, necessariamente, crítica.

Sendo assim, junto de muitos outros estudantes da Universidade de Passo Fundo e desde a perspectiva de que, para disputar esse projeto, os currículos não devem estar incomunicáveis com a realidade política e social das comunidades, fazemos parte de um movimento que considera direito de todos os alunos o acesso a uma experiência universitária integral onde seja possível o contato com os eixos que sustentam a extensão universitária crítica. Em concordância com Huidobro (2016) et al. em “Universidade, território e transformação social”, pensamos ser

“indispensável, então, reformular o papel tradicional da extensão universitária, e deixar de considerá-la um mero complemento, secundário ou eventual, das áreas consideradas historicamente como principais: a pesquisa e a docência. Integrar tais funções significa gerar um modelo de universidade que, aberta e flexível, se estruture a partir das problemáticas sociais, deixando de usar a realidade como mera desculpa para sua autorreprodução.” (p.61)

Dessa forma, apostamos no pensar de estratégias de curricularização da extensão universitária, considerando que curricularizar significa a possibilidade de democratizar o potencial da extensão como ferramenta promotora de autonomia, senso de cidadania e equidade, criatividade, capacidade crítica e justiça social. Articular as premissas metodológicas desse fazer a atividades curriculares da dimensão do ensino é uma maneira de afetar aqueles estudantes que, historicamente e especialmente nas universidades comunitárias, não têm a oportunidade de envolver-se com ele; este trabalho que hoje escrevemos é fruto de uma movimentação que parte desses pressupostos.

A disciplina de Práticas Escolares I é uma matéria obrigatória no currículo do curso de Psicologia da Universidade de Passo Fundo; conforme o plano de ensino, “visa ensinar aos discentes, de forma teórico-prática, desenvolver e executar projetos de orientação profissional, temática esta extremamente importante para a formação de graduandos em Psicologia.” (Plano de Ensino Banca 2311809, 2021) O como-fazer de cada projeto pode ser determinado pelos integrantes de cada grupo de trabalho.

A partir disso, decidiu-se adotar como fundamentos norteadores para a construção e execução do trabalho as bases teórico-práticas da extensão crítica, considerando três principais: a perspectiva processual, a dialogicidade e a criticidade. Discorremos acerca de cada um deles a seguir.

Todas essas noções partem de um esforço investigativo acerca da obra do educador popular Paulo Freire: assim, em primeiro lugar, falamos da perspectiva processual das frentes de trabalho em extensão universitária. Encarar a produção de metodologias como processo significa assumir que elas se fazem no percorrido de sua existência. Entendemos que toda metodologia que se apresenta de antemão pronta e inalterável se sobrepõe ao entendimento freireano fundamental de que toda pessoa possui um saber valioso que deve ser levado em conta na produção de estratégias de trabalho e de conhecimento, desde que se proponham autênticas e transformadoras. Se faz grande o compromisso com os versos do poeta: “caminante, no hay camino se hace camino al andar!”

Nesse sentido, no percorrido do projeto de orientação profissional, criamos um espaço de integração de saberes que se articulavam e complexificavam livremente conforme os conteúdos que os participantes traziam. A intercorrência de algumas limitações impostas pela dimensão do ensino (plano de aula, prazos de entrega do percurso avaliativo, etc.) e pelo cenário pandêmico (escolas fechadas, evasão, etc.) fizeram com que precisássemos desenvolver um modelo com “etapas” de trabalho, como um eixo metodológico a ser seguido; entretanto, apesar disso, sempre foi de comum acordo que essa disposição seria alterada e absolutamente flexível a partir do momento do encontro entre os extensionistas e os participantes. Assim, foi-se construindo a rede de conhecimentos do grupo, na forma de vínculo social. É a expressão, como nos propõe Freire, de um discurso científico que nem por isso deixa de ser amoroso.

A esse entendimento está indissociável a noção do diálogo freireano. O assumir da necessidade, para construção de qualquer projeto crítico, do intercâmbio com sujeitos que encarnam o saber extra-científico e extra-universitário. Em “O Que é o Método Paulo Freire”, o educador Carlos Rodrigues Brandão (1994) discorre: “educar é uma tarefa de trocas entre pessoas e, se não pode nunca ser feita por um sujeito isolado, não pode ser também o resultado do despejo de quem supõe que possui todo o saber, sobre aquele que, do outro lado, foi obrigado a pensar que não possui nenhum.” (p.22). Isso importa porque a extensão crítica é exatamente um exercício de diálogo: um processo em que os homens e mulheres não são tomados como pacientes de um processo, como objetos; pelo contrário: nós, extensionistas, ocupando o lugar simbólico da universidade da produção do saber, nos posicionamos como parceiros, trabalhando a partir de uma perspectiva onde se considera que temos sempre algo a permutar com o povo nas bases populares, e nunca exclusivamente a oferecer-lhes.

Recebemos participantes de vários contextos sociais diferentes, o que nos exigiu e motivou, a fim de criar um processo identificado com suas realidades a, a partir de uma escuta e acolhimento iniciais (que perpassaram todo o nosso tempo juntos) conhecê-los e, conhecendo-os, saber de seus anseios e potencialidades. Assim, estabelecida a relação transferencial, foi aberta a possibilidade de uma relação de troca mútua, onde no ir e vir do movimento da dialogicidade se constroem os saberes.

Finalmente, a compreensão acerca da criticidade, que é definida por Paulo Freire em “Educação como prática de liberdade” (1999) como a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica, ou seja, nas suas correlações causais e circunstanciais. Uma vez que se propõe, em parceria, a olhar para um contexto de forma crítica e com sensibilidade, se desenvolve em todos os envolvidos a impaciência e a vivacidade, que são características do estado de procura, de invenção e de reivindicação. É a possibilidade de, “estando no mundo, saber-se nele.” (FREIRE, 1983, p. 16) O trabalho em extensão crítica propõe-se a desenvolver metodologias que, antes de tudo, sejam veículo de desenvolvimento dessa faculdade humana.

Na prática, o constructo das dinâmicas propôs aos integrantes a auto-reflexão como caminho para a escolha profissional, não apenas apresentando as possibilidades, mas estimulando que eles e elas se percebessem, facilitando a reflexão do pensar sobre si para além das lógicas do mercado: levando em conta tudo que reflete sua existência perante o mundo e a influência deste mundo em si. Assumindo a lógica da criticidade enquanto processo global de um novo-pensar sobre a posição que se ocupa no mundo, propomos atividades que estimulavam o questionamento acerca dos ideais internalizados da cultura, do desejo singular de cada um e da percepção particular e coletiva da realidade.

Em relação ao nosso processo formativo enquanto estudantes de psicologia, os encontros, que aconteciam semanalmente, não foram organizados a fim de apenas aprender a como aplicar testes e desenvolver dinâmicas, mas sim de questionar coletivamente o meio em que cada um se insere e as consequências deste na subjetividade e na escolha da profissão: em Freire, aquilo que chamamos de “ensinar-aprendendo e aprender-ensinando”. Além disso, através de todo o processo, reforçávamos (aos participantes e também para nós mesmos) a ideia de que não seria fornecida uma resposta em relação a qual caminho cada participante seria destinado a seguir, pois ali se construía um espaço de discussão e reflexão, e não de certezas - essa que é particular e necessariamente atravessada pela individualidade de cada um; rejeitando, dessa forma, a posição tradicional do conhecimento científico que exerce poder determinante sobre os sujeitos.

Assim, conciliam-se os objetivos e experiências do Observatório da Juventude UPF, da disciplina curricular do curso de Psicologia e da Política Nacional de Extensão, oportunizando a construção de metodologias fundamentadas em processos de escuta, acolhimento, reflexão crítica sobre o mundo e sobre si mesmo comuns aos três espaços.

Protagonismo estudantil: quando os estudantes movem estruturas

Os estudantes extensionistas, desde que se afetem pela luta pelo fim das desigualdades sociais, têm especial implicação com os assuntos de responsabilidade social das universidades comunitárias. Nesse sentido, podem assumir papel primordial na reinvenção e reafirmação do caráter comunitário das instituições, que muitas vezes se vê enfraquecido devido a um movimento que assume a posição simbólica da universidade como o único lugar possível de produção do conhecimento válido e legitimado e encarna as lógicas de uma matriz tradicional do pensamento. Essa, conforme Huidobro (2016) et.al, implica a disputa por uma forma de fazer extensão que em reação a esses enfoques fortemente disciplinadores e civilizatórios, sustentem as potencialidades libertárias que a prática extensionista pode gestar.

Assim, faz-se importante dar devida atenção ao papel do protagonismo estudantil nos processos de curricularização da extensão universitária. O protagonismo estudantil diz respeito à capacidade enquanto estudantes de sermos autores e autoras na construção do nosso processo formativo. Sem delegar um premeditado fazer do estudante, protagonizar os espaços de ensino-aprendizagem significa também ir além destes, podendo pensar uma formação e uma instituição que construa conhecimento popular, não hierárquico e de forma circular. Ao propor a união dos princípios da extensão crítica com a metodologia do ensino, no planejamento e prática dos encontros de orientação profissional realizados, tanto nós, estudantes, quanto os participantes, entendidos como senhores de seu desejo e de suas escolhas, abraçamos toda a potencialidade que carregam os processos de protagonismo estudantil.

Ressaltamos que essa orientação metodológica reitera os princípios que, em 1918, mobilizaram a reforma universitária de Córdoba, marco em que estudantes reivindicaram um modelo de universidade sem segregações, conservadorismo e descriminação e, para além disso, atesta a influência que os estudantes podem exercer nas instituições, desde que assim o desejem. Essa ação, que inspira até hoje o pensar das universidades latino-americanas, demonstra que nosso fazer estudantil é um papel político e histórico.

Protagonizado por estudantes extensionistas junto dos representantes comunitários, o modo de pensar o ensino da orientação profissional admitido está também associado à produção de conhecimento coletivo que transforma os paradigmas universitários. Criticando a lógica eurocentrista e tradicional de universidade, de forte caráter colonial, que segundo Junior e Ribeiro (2009, p. 92), dominam o estudo no interior das universidades e carecem de aplicabilidade no campo das realidades sociais, foi essencial pensar um jeito de exercer a reflexão da profissão e do mundo do trabalho que excedesse esse raciocínio e considerasse os saberes extra-acadêmicos, produzindo assim, finalmente, um conhecimento democrático e identificado com a realidade comunitária.

Protagonizar ações como essa, significa tomar atitudes para que a curricularização não seja papel somente das autoridades da instituição, mas que os estudantes consigam pensar sobre uma formação integral, considerando os temas emergentes das situações vividas nas comunidades como as noções de território, cultura, comunicação, educação, justiça e direitos humanos, meio ambiente e saúde. Assim, a participação discente na manutenção e criação de metodologias, é ferramenta essencial para a estruturação de uma universidade que, assim como nós, plantea essas questões em seu fazer e preza por uma formação crítica, política e cidadã.

Apesar de, conforme o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014), existir obrigação legal imposta às instituições de ensino superior por assegurar no mínimo dez por cento do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitária, a participação estudantil nesse processo garante a possibilidade de disputa por um modelo de extensão que corresponda aos anseios apresentados. Por isso, nós, extensionistas do Observatório da Juventude, não nos isentamos de produzir um trabalho coletivo desse teor.

Questionar o porquê de reproduzir a experiência do ensino-aprendizagem, e produzir ações para que se reinvente este, é colocar nossa cabeça onde nosso compromisso se apoia (HUIDOBRO et al., pg. 47). É nisso em que a extensão crítica se baseia.

Conclusão

Os efeitos do projeto se dão a ver na fala dos participantes, que manifestam transformações internas e em nós, enquanto extensionistas e estudantes de psicologia, na medida em que desenvolvemos novas percepções acerca do exercício profissional. A partir da orientação epistemológica e ética apresentada anteriormente, desenvolvemos a capacidade de enlaçar os aprendizados teóricos à prática, os sensos de cidadania, justiça, desigualdade social, da importância das políticas públicas e os anseios das juventudes dessa época, confirmando o potencial dos processos de curricularização.

Para além disso, construímos juntos o decidido posicionamento de que o conhecimento acadêmico formal sozinho não pode dar conta das realidades singulares tanto das comunidades quanto do desejo particular de cada pessoa. E que, se se propõe o contrário, exerce poder disciplinador, opressor e normatizador sobre a diversidade das experiências humanas. No lugar disso, propomos o conhecimento enquanto processo progressista, interseccional, plural e popular. O saber enquanto a rede de conexão entre os afetos, o pensar empírico e científico.

Por fim, reafirmamos a consciência acerca das limitações que o período histórico impôs: gostaríamos de ter produzido um processo ainda mais dialógico do que efetivamente foi possível. Entretanto, reiteramos também o compromisso profundo com a ética que nos apresenta o legado de Freire e que nos impõe a prática da extensão crítica diariamente.

Referências

Ávila Huidobro Rodrigo, Elsegood Liliana, Garaño Ignacio, Harguinteguy Facundo. Universidade, Território e Transformação Social: reflexões em torno dos processos de aprendizagem em movimento. Passo Fundo: UPF; 2016.

Freire, P. (1997). Educação Como Prática da Liberdade. Paz e Terra.

Junior, N. L., & Ribeiro, C. T. (2009). Intervenções Psicossociais em Comunidades: Contribuições da Psicanálise. Psicologia & Sociedade, 21(1), 91-99.

Lei Federal 13.005, de 25 de junho de 2014 (2014). Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Brasília, DF, 25. Jun. 2014. Recuperado em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>.

Machado Ruiz, A. (2018). Caminante no hay camino | Antonio Machado Ruiz. DAS CULTURAS. Retrieved June 26, 2021, from https://dasculturas.com/2018/08/18/caminante-no-hay-camino-antonio-machado-ruiz/

Plano de Ensino Banca 2311809, 2021

Rodrigues Brandão, C. (1984). O Que É O Método Paulo Freire? Brasiliense.